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A intervenção federal no Rio e a ameaça aos direitos democráticos
A votação da “reforma” da Previdência Social brasileira – sua verdadeira liquidação, garantindo privilégios de castas estatais de primeiro escalão e o estamento togado (especificamente oficiais generais, procuradores e magistrados), ampliando os espaços para previdência privada e aumentando a informalidade da força de trabalho no país (foi adiada do dia 19 de fevereiro, data dos protestos em nível nacional, para 28 de fevereiro). Na sequência há uma “percepção” de que alterar a constituição é algo proibido durante uma até agora intervenção federal em um estado da União. Proponho outra análise. Como não havia condição de aprovar a “reforma” da Previdência mesmo contando com ampla maioria na Câmara e no Senado, o Palácio do Jaburu – centro político deste governo – decidiu por uma medida extrema e com um aparente apoio popular.
O fator carnaval do Rio 2018 não pode ser menosprezado. O desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti com o enredo “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?” foi devastador para um presidente impopular, com legitimidade duvidosa e atado a um fiapo de legalidade (considerando um impeachment sem causa jurídica e um primeiro escalão com diversos alvos de investigação federal). Não é admissível supor que o marqueteiro de Temer, sua equipe de comunicação ou mesmo a inteligência a serviço do Executivo não conhecesse o enredo da escola de São Cristóvão. Logo, como operadores políticos profissionais com esta envergadura trabalham sendo assessorados por pesquisas de opinião e acompanhamento semanal – por vezes diário -, e considerando a explosão das redes sociais repercutindo às críticas ao governo Temer após o desfile, é de se supor que ao menos tal percepção tenha acelerado a decisão de decretar a intervenção federal de “comum acordo” com o governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (assim como MT, ambos do MDB).
As imagens do “caos” no Carnaval e a admissão de culpa de Pezão dizendo que seu gabinete “não estava preparado” gera a percepção de governo estadual falido neste quesito. Tudo isso é verdade factual, mas desde o decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO) para o Rio de Janeiro datado de 28 de julho de 2017, autorizando o emprego das Forças Armadas em operações de segurança pública que a situação na capital fluminense e sua região metropolitana não sofreram alteração substancial. O caos estava e o caos permaneceu. As ocorrências tampouco aumentaram, seguindo com os mesmos índices absurdos de sempre. No que diz respeito à criminalização e atividade da “administração do crime” pelas forças policiais, incluindo a cúpula das forças de segurança, especificamente a Polícia Militar, nada mudou desde a declaração do ministro da Justiça Torquato Jardim em 31 de outubro de 2018 “de que nem o governador e tampouco o secretário de Segurança não controlam a Polícia Militar e que os comandantes dos batalhões são ‘sócios’ do crime organizado”. Ou seja, se nada substancialmente mudou, houve o uso da “ocasião” para aplicar o decreto.
Vale lembrar que o próprio decreto não cumpriu o rito constitucional. Para validar a intervenção federal na área da segurança pública de um estado da União, o Executivo precisa cumprir os seguintes passos: decretar a intervenção, consultar aos Conselhos da República e da Defesa e ter a aprovação do Congresso. No mínimo podemos afirmar que o Executivo tomou a medida e ouviu depois os dois conselhos citados; a Câmara aprovou na sequência e após o Senado. Ou seja, por mais “interpretações” do rito, a mensagem política é nítida. Cria-se um factoide, o mesmo torna-se fato consumado e para tal amplia-se tanto o papel como as possibilidades de prerrogativas das Forças Armadas, e no caso do governo Temer, especificamente o general Sérgio Westphalen Etchegoyen, da arma de cavalaria, da turma de dezembro de 1974, da AMAN. Este é filho de general citado na Comissão da Verdade e é de perfil intervencionista. Podemos afirmar que Etchegoyen rivaliza na liderança com o comandante em chefe do Exército Brasileiro, o também general de quatro estrelas Eduardo Villas Bôas, que por sinal deixará o posto em março de 2018. Assim, durante o ano de eleições presidenciais (supondo que as mesmas ocorram algo que creio que sim) provavelmente o comando da força terrestre será alinhado ao GSI e ao governo ilegítimo.
É preciso ressaltar que tal disputa não necessariamente implica em agrupações definidas – como se deu durante os governos da ditadura, entre a Tigrada X Sorbonne, ou antes entre Linha Dura e Castellistas. Exemplifica tal “maleabilidade” a declaração de Villas Bôas, dizendo que “o Exército precisa de garantias para atuar em intervenção federal no Rio de Janeiro, sem a perspectiva de uma futura comissão da verdade”. Tal declaração foi imediatamente repudiada por órgãos de direitos humanos e especificamente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desparecidos
Uma porteira abre a outra. Há disputa por “jurisprudência e interpretação” (mais uma dentre tantas) onde os mandados de segurança coletivos podem ou não ser atendidos pelos magistrados. Vale lembrar que o mandado às residências é individual e não territorial, considerando não se tratar de praças de guerra, porque conceitualmente existe uma nítida diferença do emprego beligerante para o policial, por mais violenta que seja uma região, como é o caso do Rio. Como difundiu o jornalista Luis Nassif, assim que saiu a notícia sobre esta possibilidade – de mandados coletivos – procuradores muito conhecidos (como Luiz Lessa e Vladimir Aras) se pronunciaram através do Twitter contra esta medida, que por sinal não consta no Código Penal. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também se manifestou quase que de imediato emitindo documento contestando o decreto de intervenção, observando os atropelos e inconstitucionalidades.
Por fim, a dimensão autoritária é visível e a aventura política através de uma cortina de fumaça também. O general interventor já era o comandante do Comando Militar do Leste (CML) à época do decreto de GLO já citado. O general Walter Souza Braga Neto tem vínculos com a inteligência da força terrestre, foi um dos coordenadores de segurança nas Olimpíadas de 2016 e pelas reportagens, tem um enlace corrente com os órgãos de segurança do estado do Rio. Braga Neto não é o interventor porque ocupava o posto no CML e sim pela escolha do presidente, e sem muita imaginação, vemos a preponderância do general Etchegoyen e do GSI nesta operação. A banalização deste emprego e a larga trajetória de uso das forças armadas para a segurança pública no Rio (desde a Eco-92, o último suspiro do governo Collor antes do impeachment).
Se houvesse uma intenção de promover a “segurança pública” e ampliar as condições de “defesa do Brasil”, realmente as medidas seriam totalmente contrárias. Ao invés da pasta da Defesa deveria estar a da Justiça, ao invés de um general algum delegado ou membro do primeiro escalão do aparelho Judiciário ou da Polícia Federal. Enfim, todo o rito de ampliação de civis nesta área tão delicada – a porteira foi aberta desde outubro de 2010 com a chamada “guerra do Rio” e a presença de forças militares no Complexo do Alemão, em pleno segundo governo Lula e com Dilma eleita sua sucessora.
Para além do debate “técnico e especializado”, o que vemos é um aumento das prerrogativas do GSI – e por tabela de uma ala do generalato – e a diminuição dos espaços reais (não formais) para o protesto social em estados que fizeram acordos de “recuperação fiscal” junto ao Ministério da Fazenda sob o comando do banqueiro Henrique Meirelles. A criação de um inimigo interno e a ausência de investimentos sociais em áreas empobrecidas da capital e metrópole fluminense é uma espécie de “mexicanização” das Forças Armadas, com todo o risco que isso pode trazer no futuro próximo.
(*) Bruno Lima Rocha é cientista político.