Por 6 votos a 5, STF rejeita pedido de habeas corpus preventivo para Lula

Foram mais de 10 horas de sessão até que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lucia, desse o último e definitivo voto pela rejeição do pedido da defesa do ex-presidente Lula de habeas corpus preventivo, um julgamento que acabou se tornando uma avaliação da jurisprudência sobre a autorização de execução da prisão após condenação em segunda instância.

O julgamento começou por volta das 14h10, com o voto do relator Edson Fachin, favorável à rejeição do habeas corpus e da manutenção da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, em 8 de março, já havia negado o mesmo pedido ao ex-presidente. Pelas 10 horas seguintes, o que se viu foi um julgamento que seguiu o script pré-planejado, isto é, com os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lucia, além do relator, votando pela rejeição, enquanto Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello votando a favor e contra a execução da pena a partir da segunda instância. O único voto que pairava dúvida antes do julgamento, era o da ministra Rosa Weber, que acabou votando contra a concessão do habeas corpus ao ex-presidente, mesmo ponderando que teria posição diferente se o julgamento em questão estivesse tratando das ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, uma vez que é contra a prisão após condenação em segunda instância.

Com a decisão, o ex-presidente perde direito ao salvo-conduto que foi concedido a ele pelo STF no dia 22 de março e impedia sua eventual prisão. Com isso, o juiz federal Sérgio Moro pode determinar a prisão pela condenação mantida pela Tribunal Regional Federal (TRF4), e ampliada para 12 anos e um mês, pelo caso da ação penal do triplex do Guarujá. Ainda pende na segunda instância recurso da defesa de Lula. Em casos semelhantes na Lava Jato, o juiz determinou a prisão sem esperar comunicação do tribunal. Em outros, aguardou a deliberação dos desembargadores.

Os votos

Relator do pedido de habeas corpus da defesa de Lula, o ministro Edson Fachin iniciou o seu voto argumentando que a decisão sobre a questão não deveria ser definidora de jurisprudência, isto é, deveria valer apenas para o caso do ex-presidente. Diante disso, decidiu por negar o habeas corpus a Lula por considerar que a decisão da Quinta Turma Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em 6 de março, negou por 5 votos a 0 o pedido preventivo da defesa do ex-presidente, não cometeu nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade. “Não compreendo que o ato do STJ colida com a lei. Se limitou a proferir decisão compatível com a jurisprudência desta Corte (STF)”, disse.

Apesar de estar indicado para ser apenas o oitavo a votar, o ministro Gilmar Mendes antecipou a sua manifestação em razão de uma viagem para Portugal marcada para as 17h desta quarta. Ao contrário de Fachin, Mendes iniciou a sua fala considerando que a tese da defesa, de que seria inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância, exigiria que o julgamento do habeas corpus em questão deveria servir como jurisprudência, isto é, valer para todas as decisões de condenação em segunda instância. Em apartes, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski concordaram com essa manifestação.

Em uma longa fala, Mendes criticou a ânsia punitivista da mídia e o excesso de poder do estamento de delegados e promotores de Justiça. “Se nós tivermos de decidir este ou aquele processo porque a mídia quer que seja assim, é melhor irmos para casa”, disse. Sem citar diretamente, ele cutucou o ministro Luís Roberto Barroso por ter afirmado que o STF deve “escutar o sentimento social”, isso seria “demagogia barata, populismo vulgar” e algo que fora defendido pelo nazismo. Para Mendes, o tribunal deveria deixar de existir se optasse por se “dobrar à mídia ou ao sentimento das ruas”.

O ministro também ponderou que sistema judiciário comete uma série de injustiças e a permissão da execução das penas após a segunda instância seria “brutal injustiça num sistema que já é injusto”. “Como vamos nos olhar no espelho?”, questionou Mendes após elencar exemplos de penas corrigidas pelas cortes superiores.

Mendes fez a defesa de que a execução penal deve valer apenas após as condenações pelo STJ, posição favorável à defesa de Lula. O ministro que, em 2016 havia votado a favor da execução da pena para condenados em segunda instância, disse que não poderia ser acusado de incoerência porque, na ocasião, teria votado que isso fosse possível e não fosse transformado em algo automático, como alega ter acontecido. Ele ainda alega que a reversão dessa possibilidade não iria resultar na soltura de réus condenados por homicídios, estupros e outros crimes violentos porque existe a figura da “soberania do júri”, que não seria afetado pelo julgamento do habeas corpus do ex-presidente.

Terceiro a falar, o ministro Alexandre de Moraes votou pela rejeição da concessão do habeas corpus ao ex-presidente Lula por, assim como Fachin, considerar que o STJ não cometeu ilegalidade ao negar este pedido anteriormente uma vez que foi baseado no atual entendimento majoritário do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância. Para defender sua posição, Moraes também argumentou que a prisão após a segunda instância não teve efeitos sensíveis no número de presos provisórios, mas, por outro lado, teve reflexos positivos no combate à corrupção.

Quarto ministro a proferir seu voto, Luís Roberto Barroso iniciou sua fala dizendo que não poderia ser indiferente ao fato de que estava julgamento o habeas corpus de um “ex-presidente que presidiu o país em período de crescimento econômico e desenvolvimento social”, mas que iria decidir se aplicaria ou não a jurisprudência em vigor sobre a prisão após condenação em segunda instância. “O STF não está julgando se o julgamento (do TRF4) foi certo ou errado. O que analisamos aqui é um habeas corpus”, disse.

Barroso considerou que a Constituição federal não determina que a prisão ocorra apenas após o trânsito em julgado de uma matéria, como defende a tese da defesa, mas sim após decisão de autoridade judicial competente. O ministro também apelou para a emotividade ao listar uma série de casos em que condenados por crimes em primeira e segunda instância passaram décadas em liberdade enquanto os tribunais superiores analisavam
“um recurso após o outro”.

Assim como Moraes, ele argumentou que não haveria motivo para mudar a jurisprudência de 2016 porque os efeitos dela teriam sido mínimos no sistema prisional e que, mesmo que ocorram injustiças, isso não poderia servir de justificativa para a mudança. Segundo ele, entre 2009 e 2016, foram apresentados 25,7 mil recursos extraordinários na área penal, sendo que em apenas 1,12% dos casos as decisões dos tribunais superiores foi favorável aos condenados.

Barroso ponderou ainda que a presunção de inocência é um princípio, mas não regra, e que ela é “muito forte” no momento da denúncia, mas vai diminuindo a partir da condenação e manutenção em segundo instância. Diante disso, defendeu que a prisão após condenação em segunda instância como forma de combater a impunidade.

Voto decisivo de Rosa Weber 

Considerado como o voto decisivo, a ministro Rosa Weber iniciou sua fala dizendo que retomaria o voto que pretendia ler na sessão de 22 de março, numa tentativa de negar que estava cedendo a pressões dos outros ministros ou de fontes externas ao STF. Rosa também destacou que manteria o foco de seu voto no habeas corpus preventivo solicitado pelo presidente Lula e não na tese de prisão em segunda instância.

Rosa Weber disse que não teria como considerar ilegal a decisão do STJ que rejeitou o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, independente de sua opinião pessoal contra a prisão após condenação em segunda instância. Diante disso, como a jurisprudência atual é a decisão do STF de 2016, votou por negar o pedido da defesa.

Após o voto de Rosa Weber, o ministro Marco Aurélio criticou a presidente Cármen Lúcia. “Que isso fique nos anais do tribunal. Vence a estratégia, o fato de vossa excelência não ter pautado as ADCs [Ações Declaratórias de Constitucionalidade]”, disse, defendendo que o STF tivesse decidido primeiro pela jurisprudência sobre a prisão após segunda instância antes de avaliar o habeas corpus do ex-presidente, no que foi apoiado por Lewandowski. Em seu voto, Rosa Weber deu a entender que teria votado diferente se estivesse analisando uma ADC.

Depois de uma pauta, o ministro Luiz Fux retomou a sessão argumentando que a Constituição não impede a execução da pena de condenados criminalmente pela segunda instância. Além disso, o ministro afirmou que o entendimento da Corte que autorizou a medida deve ser mantido e não pode ser alterado casuisticamente. “A Constituição Federal quando quis imunizar determinadas pessoas da possibilidade de prisão, ela fez textualmente”, argumentou Fux, deixando o placar em 5 a 1.

5 a 5

Na sequência, contudo, foram registrados quatro votos favoráveis à concessão do habeas corpus. Dias Toffoli defendeu que, uma vez no plenário, seria possível discutir não apenas o caso específico, mas a questão objetiva sobre a prisão em segunda instância. “Não há petrificação da jurisprudência. Entendo por possibilidade de reabrir o embrulho e enfrentar a questão de fundo”, disse, em referência ao entendimento atual da Corte, estabelecido em 2016, que é favorável à execução da pena após condenação em segunda instância.

“A minha posição é de todos conhecida”, afirmou o ministro. Ele votou a propor um voto médio, segundo o qual a execução provisória de pena seria possível após a análise de recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), terceira instância de julgamento. A exceção seria nos casos de condenação pelo tribunal do júri, em que seria possível a execução imediata de pena.

Ricardo Lewandowski entendeu que a Constituição determina que ninguém pode ser preso antes da uma decisão transitada em julgada, ou seja, após o fim de todos os recursos possíveis, e não após a segunda instância. Lewandowski considerou que o julgamento representa “um momento grave na história” do tribunal.

Para o ministro, a concessão do habeas corpus “não significaria que os malfeitores seriam imediatamente libertados, porque eles seguiriam preso, se fosse o caso, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

Na sequência foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello, que, em diferentes momentos do julgamento, protestou contra o que chamou de “estratégia” da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que pautou para análise em plenário o habeas corpus de Lula antes de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) sobre o assunto relatadas por ele e prontas para julgamento desde dezembro.

Em seu voto, ele confirmou seu firme posicionamento de que a Constituição é clara ao dizer que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, ou seja, até que estejam esgotados todos os recursos, inclusive no Supremo. “Meu dever maior não é atender à maioria indignada, meu dever maior é tornar prevalecente a lei das leis, a Constituição Federal”, referindo-se a manifestantes que são a favor da prisão de Lula.

Para o ministro, a condição posta pela Constituição para que uma pessoa possa ser considerada culpada “é um limite para chegar-se ou uma condição para chegar-se à execução da pena”. Segundo ele, o texto constitucional “é de uma intensidade alarmante. Não abre esse preceito campo a controvérsia em semânticas”, argumentou Marco Aurélio. “No Brasil, todos presumem que são todos salafrários até que provem o contrário”, criticou ele ao defender a garantia da presunção de inocência.

Em seu voto, o decano do STF, Celso de Mello, disse que desde 1989, quando chegou ao tribunal, tem decidido que as condenações penais só podem ser executadas após o fim de todos os recursos na Justiça. “A presunção de inocência representa um direito fundamental de qualquer pessoa submetida a atos de persecução penal por partes autoridades estatais”, argumentou o ministro, que empatou a votação em 5 a 5

Crítica aos militares

No início de seu voto, Celso Mello fez uma crítica a “intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades, a diminuir, quando não a eliminar, o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade da livre expansão da atividade política”.

A manifestação do ministro mais antigo da corte ocorre após o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ter divulgado na noite de terça-feira (3) mensagens postadas na rede social Twitter, em que disse que o “Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.

Desempate

Coube então a presidente do STF, Cármen Lúcia, desempatar a questão. Como esperado, ela manteve o posicionamento que teve quando a corte analisou a questão da autorização de prisões após condenações em segunda instância. A ministra justificou o seu voto com o entendimento de que a presunção de inocência não pode levar à impunidade e que não há ruptura com este princípio quando exaurida a fase de provas, isto é, após a segunda instância.

O ministro Marco Aurélio ainda fez um pedido a presidente para que o salvo conduto do presidente valesse até a publicação do acórdão, mas a maioria da corte rejeitou esta possibilidade, dando assim aval para que a prisão de Lula seja decretada.

*Com informações da Agência Brasil

Foto: José Cruzr/Agência Brasil

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