Família vai processar prefeitura e laboratório de Pelotas após morte de mulher por câncer  

No caso de Emanuele, uma hemorragia a levou a fazer o teste em julho de 2015, e o resultado deu negativo para a doença. Dois meses depois, ao procurar novamente a unidade básica de saúde (UBS) de Pelotas, a desconfiança do médico, ao ver o quadro de sangramento e a perda repentina de 15 quilos, levou a novos exames e a confirmação do tumor maligno.

 

— O problema é que, quando ela descobriu, o câncer já estava em estágio avançado e com poucas chances de cura — afirma Samira Pereira da Costa, advogada da família que atua no caso.

 

Segundo a defensora, já havia sido impetrado ação na Justiça para que Emanuele, já em estado terminal da doença, pudesse passar os seus últimos dias em casa  ela estava internada no Hospital Santa Casa, em Pelotas.

 

— Só que nem deu tempo. Ela morreu antes de a ação ser julgada. Agora, a partir das denúncias contra o laboratório, vamos entrar com pedido de indenização devido à negligência — diz Samira, acrescentando que defende cerca de 20 outras mulheres que podem ter sido lesadas por supostas irregularidades nos exames de pré-câncer.

 

Ana Clara Ramos, uma das tias de Emanuele e que ajudou a cuidar da sobrinha nos seus últimos 30 dias de vida no hospital, conta que foi um processo muito doloroso para a família, principalmente para o filho de 15 anos, o marido e os pais.

 

— Primeiro, a descoberta do câncer quando já era tarde demais. Depois, três anos de altos e baixos, com um final de muito sofrimento. Agora, queremos justiça, não só por ela, mas para que outras pessoas não precisem passar por isso — afirma Ana Clara.

 

Contrapontos

Por meio da assessoria de imprensa, a prefeitura de Pelotas informou que todos os casos atuais de tratamento de câncer de colo do útero passam por auditoria na Secretaria Municipal de Saúde. No caso específico de Emanuele, diz que “o serviço de saúde pública de Pelotas fez todos os encaminhamentos para o diagnóstico e tratamento pelo SUS”. E acrescenta que “não houve negligência por parte do município, visto que foram cumpridos todos os protocolos”.

A advogada do laboratório, Christiane Fonseca, negou novamente que tenham ocorrido irregularidades nos exames. A defensora disse que o SEG utiliza o Sistema de Informação do Câncer (Siscam), do Ministério da Saúde, em que  o laudo contendo negativo de câncer “é comum”. Segundo ela, isso pode acontecer quando não é possível detectar a doença devido a alguma alteração, que seria o caso de Emanuele, que “apresentava inflamação profunda, intensa, impedindo a visualização das células neoplásicas”.

Origem do caso

UBS Bom Jesus

Em julho de 2017, seis profissionais de saúde, entre médicos e enfermeiros da UBS, enviaram memorando para a Secretaria de Saúde de Pelotas,  preocupados com resultados de exames de pré-câncer analisados pelo laboratório SEG, de Pelotas. Entre janeiro de 2014 e junho de 2017, com média de 250 exames anuais, não surgiram casos de doentes, todos resultados “negativos para malignidade”. Enquanto que, entre 2006 e 2013, com média de 760 exames anuais, o número de pacientes com câncer foi em torno de 40 por ano. No documento, consta que a paciente Ieda de Ávila fez dois exames pré-câncer, em 2015 e 2017, apresentando lesão, mas cuja conclusão foi “negativo para malignidade”. Meses depois, ela foi diagnosticada com câncer de colo de útero.

Laboratório SEG

As solicitações e resultados de exames pré-câncer da rede pública são registrados no Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), do Ministério da Saúde. De acordo com a médica Claudete Mariza Dias Correa, 75 anos, responsável técnica do Serviço Especializado de Ginecologia (SEG), todos os exames nos quais não foi possível visualizar as células por causa de inflamação ou infecção nas amostras são lançados no SISCAN como casos de “negativo para malignidade”. Conforme a médica, o SISCAN só permite duas opções para o laudo: com câncer ou sem câncer. Não há opção “inconclusivo”.Entretanto, Claudete explica que, nos casos com a presença de infecções ou inflamações, ela informa isso no laudo para que o médico trate a paciente para depois refazer o exame.

Prefeitura de Pelotas

Segundo a ginecologista da rede municipal Cristina Pereira, em caso de lâmina contaminada com hemácias (sangue), leucócitos (infecção) ou material de dessecado, a lâmina deveria ser considerada insatisfatória. O laboratório jamais deve expressar “negativo para malignidade”, que é um laudo conclusivo. Cada vez que o médico encontrar um laudo negativo para malignidade, vai considerar este um parecer conclusivo, diz Cristina.

Esse posicionamento é baseado no Caderno de Atenção Básica número 13 do Ministério da Saúde. Quando há infecção, isso já é percebido no exame macroscópico. Nesses casos, o procedimento padrão deve ser o de não coletar e aplicar o tratamento na paciente. Depois disso, a coleta tem de ser refeita.

A matéria é de Vanessa Kannenberg para a Rádio Gaúcha/ZH

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