Revelações atacam diretamente a imagem do ministro Sérgio Moro

As reportagens publicadas neste domingo (9) pelo The Intercept Brasil podem se transformar numa das principais crises do governo Bolsonaro. Elas atacam diretamente a imagem de um dos integrantes do governo com melhor avaliação entre a população brasileira, o ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Mesmo depois de cometer ilegalidades, ainda como juiz de primeira instância, como o vazamento de grampos telefônicos e informações, e de ter sido revelado o compromisso firmado entre ele e o atual presidente para sua indicação ao Superior Tribunal Federal (STF), Moro mantinha uma boa imagem perante a opinião pública. Agora, porém, isto deve mudar.

As conversas vazadas pelo The Intercept Brasil revelam que o então juiz Sérgio Moro não tinha isenção necessária para julgar e adotou postura ostensiva em favor da acusação, sob comando do procurador Deltan Dallagnol.

A Constituição brasileira estabelece o sistema acusatório no processo penal, no qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo, cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo. Mas, as conversas entre Moro e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do Ministério Público – o que é proibido – e foi bem recebido, atuando informalmente como um auxiliar da acusação.

A atuação coordenada entre o juiz e o Ministério Público por fora de audiências e autos (ou seja, das reuniões e documentos oficiais que compõem um processo) fere o princípio de imparcialidade previsto na Constituição e no Código de Ética da Magistratura, além de desmentir a narrativa dos atores da Lava Jato de que a operação tratou acusadores e acusados com igualdade. Moro e Dallagnol sempre foram acusados de operarem juntos na Lava Jato, mas não havia provas explícitas dessa atuação conjunta – até agora.

“O que era uma crítica teórica feita por acadêmicos, crítica jurídica feita por juristas, e crítica política realizada por determinados segmentos se transformou em prova e no maior escândalo do Judiciário brasileiro”, avalia o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano. “É chocante tudo que foi feito, não dá para minimizar o fato. Houve um tipo de relação entre juiz e procuradores absolutamente antiética e fora de qualquer padrão de legalidade”, diz, em entrevista a Marilu Cabañas e Glauco Faria na Rádio Brasil Atual. Para Serrano, as conversas “mostram a adoção de atitudes judiciais ou pretensão de adotá-las com finalidade política, para interferir em eleição inclusive, o que é gravíssimo”.

Para o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Fábio Tofic Simantob, o Código de Processo Penal é claro em apontar que um juiz deve ser considerado suspeito quando tiver aconselhado uma das partes envolvidas. Segundo ele, Moro contribuiu de maneira ostensiva para o trabalho da acusação.

“O que era uma crítica teórica feita por acadêmicos, crítica jurídica feita por juristas, e crítica política realizada por determinados segmentos se transformou em prova e no maior escândalo do Judiciário brasileiro”. Professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano.

“O que as conversas indicam é algo que já se imaginava, que se suspeitava, que a postura do juiz – que as defesas sempre criticaram – sempre foi a postura de um acusador. Já havia indícios que o juiz (Moro) vestia a carapuça do acusador, mas as mensagens revelam algo mais grave: a própria iniciativa do juiz em aconselhar a parte contrária da defesa, de sugerir caminhos para a investigação e acusação, cobrando novas operações.” Para Tofic, isso é mais do que pender a favor de uma das partes.

Na avaliação do doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Yuri Carajelescov as conversas entre os procuradores da Operação Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro, divulgadas neste domingo pelo The Intercept Brasil, não podem ser desconsideradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Acho difícil que os ministros, ou pelo menos parte deles, permaneçam com uma postura de cegueira deliberada sobre essas situações.”

De acordo com Carajelescov, a atuação arbitrária e política dos operadores da Lava Jato pode até ser negada pelo Ministério Público Federal, como foi feito em nota divulgada poucas horas depois da reportagem ir a público, ou mesmo ser naturalizada por parte da mídia tradicional, que tem procurado questionar a legalidade das provas, mas o teor das conversas compromete a condução da força-tarefa, podendo inclusive serem usadas pelos réus da Lava Jato diante da postura de acusador assumida pelo próprio juiz.

“O Supremo Tribunal Federal não poderá fechar os olhos para essa realidade (…) essas matérias deverão ser levadas pelos advogados dos réus condenados. Como é que o STF poderá insistir que houve imparcialidade, se os casos foram julgados por um juiz que claramente entrava em acordos inclusive sobre aspectos políticos?”, questiona o doutor em Direito acrescentando ainda a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que o conjunto de informações reveladas expõem uma “clara tentativa de perseguição” ao ex-presidente, condenado em 2018 pela Lava Jato.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (10), o Coletivo Jurídico da CUT condena a farsa montada pela Força-Tarefa da Lava Jato de Curitiba, em especial pelo ex-juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, e pelo procurador Deltan Dallagnol para incriminar e prender o ex-presidente Lula, impedindo-o de se candidatar e se eleger presidente da República.

A Associação de Juízes para a Democracia (AJD) e a Associação Latinoamericana de Juízes do Trabalho (ALJT) foram além e emitiram nota exigindo a soltura imediata do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e a extinção dos processos originados da Operação Lava Jato. “As denúncias contidas em tal reportagem revelam que quando ainda exercia função de Juiz na operação Lava-Jato, o atual Ministro Sérgio Moro aconselhou, ordenou, e, em determinados momentos, agiu como órgão acusador e investigador, num verdadeiro processo inquisitorial”, diz a nota.

As associações “exigem a imediata soltura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e de todas as vítimas do processo ilícito relevado pelos diálogos que vieram a público na data de hoje, bem como a exoneração do ministro Sérgio Moro e investigação dos integrantes do Ministério Público Federal referidos na aludida reportagem, atos essenciais para a retomada do Estado Democrático de Direito em nosso país, condição para a superação da crise político-institucional em curso e o retorno à normalidade democrática”.

Líderes políticos pedem renúncia de Moro

Por meio de uma rede social, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad e candidato à Presidência da República que foi diretamente afetado pela relação ilegal entre os dois envolvidos pediu apuração da verdade. “Podemos estar diante do maior escândalo institucional da história da República. Muitos seriam presos, processos teriam que ser anulados e uma grande farsa seria revelada ao mundo. Vamos acompanhar com toda cautela, mas não podemos nos deter. Que se apure toda a verdade!”

A ex-presidenta Dilma Rousseff lembrou de quando foi alvo de vazamentos ilegais feitos por Moro.  “Uma fraude jurídica construída para condenar Lula sem crimes, sem provas e impedir sua eleição para presidente. Mostram as ações inconstitucionais do Juiz Moro na nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil, autorizando as gravações da presidenta, no exercício do cargo, sem a necessária autorização do STF. Esperemos que diante das evidências, o Supremo não se omita. Processos corrompidos pela fraude na Lava Jato implicam em liberdade imediata de Lula”, disse, em seu Twitter.

Alguns parlamentares pediram a renúncia de Moro do cargo de ministro e prometeram convocá-lo para se explicar na Câmara dos Deputados.

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) disse que o partido apresentará um requerimento e convocar Sérgio Moro para depor no plenário da Câmara dos Deputados e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Eles irão abrir também uma representação contra Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

“Jogo combinado, ação ilegal de Moro e Dallagnol atropelando o Código Penal brasileiro. Moro agiu como um político e articulador e não como um magistrado. Pressionou a PF e o MP e desmoralizou a Justiça. É preciso que se apure toda a verdade, isso não pode ficar impune”, disse o deputado federal do Psol.

Já a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) classificou a troca de mensagem “por baixo dos panos” como “absurda e baixa”. “Fere o Estado democrático de Direito! Ataca a democracia e mostra intervenção ideológica. Todo cidadão devia se chocar com o que se revelou nesta noite. Um juiz orientando e combinando ações com um procurador. E do mesmo caso! A nação está em choque”, criticou.

Escândalo repercute em todo o mundo

As mensagens reveladas por The Intercept Brasil são assunto na mídia internacional. O site do jornal El Clarín, da Argentina, abre sua matéria dizendo que “os procuradores brasileiros atuaram deliberadamente e em ocasiões coordenadas com o juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, para prejudicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso por corrupção, e para evitar o regresso da esquerda ao governo”.

A agência norte-americana Bloomberg destaca Moro compartilhando informações e dando dicas aos procuradores. O veículo ainda destaca os esforços dos procuradores em impedir Lula de conceder entrevista antes da eleição de 2018, com receio de que pudesse aumentar as chances do candidato petista à presidência, Fernando Haddad.

O jornal francês Le Monde abre sua matéria questionando: “E se o maior escândalo de corrupção na história do país tivesse sido manipulado?”. Na sequência, o Le Monde diz que The Intercept Brasil revelou “informações indicando que os responsáveis pela investigação anti-corrupção ‘Lava Jato’, teriam manobrado para evitar o retorno do antigo presidente de esquerda Lula ao poder em 2018”.

O The Washington Post informa que as reportagens revelam que o juiz Moro e os procuradores envolvidos na investigação contra o ex-presidente Lula trocaram mensagens discutindo o caso. “De acordo com a reportagem, Moro orientou os procuradores, ultrapassando seus deveres como juiz”, diz o jornal.

Em contrapartida, foi só tarde da noite de ontem (09) que os noticiosos da Rede Globo passaram a reproduzir as denúncias publicadas pelo The Intercept Brasil. O Fantástico só deu a reportagem no final do programa, por volta de 23h, quando os apresentadores do programa leram uma nota produzida pela emissora.

A nota frisa a resposta do Ministério Público Federal (MPF), que não desmente nem nega o conteúdo divulgado pelo The Intercet Brasil e acusa o portal, citando nota pública emitida pelo MPF, de cometer “ilegalidades”, além de não ter buscado esclarecer os fatos antes da publicação das denúncias, o que, ainda segundo o MPF, indicaria a prática de “mau jornalismo”.

Ao fim do comunicado, a emissora dá palavra a Moro e cita “especialistas” que consideraram não haver ilegalidade na prática, apenas “falta de ética”, por parte dos magistrados.

A mesma nota foi lida por apresentadores da Globonews, depois que o canal de TV por assinatura omitiu a denúncia da edição de seu principal noticioso, o Jornal das Dez – lembrando que as denúncias do The Intercept começaram a ser publicadas às 18h.

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