Pelotas em marcha contra o racismo e o fascismo
Em meio a falas de lideranças negras e canções de resistência, centenas de pessoas saíram, em caminhada, do Altar da Pátria, na Avenida Bento Gonçalves, até o Mercado Público, percorrendo o calçadão da rua Andrade Neves.
Por Eduardo Silveira de Menezes*
A população negra, de forma legítima, tem saído às ruas, em todo o mundo, para protestar contra o genocídio de seu povo. Neste domingo (7), os protestos antirracistas ocorreram, de forma simultânea, em diversas cidades do Brasil. Em Pelotas, a marcha teve início por volta das 15h, contando com a organização de um grupo de militantes que, em 2019, por ocasião do 20 de novembro – dia da Consciência Negra -, articulou a “Marcha Griô Sirley Amaro: Pela Nossa História e Ancestralidade”. Aliada à luta racial, a defesa da democracia também foi evidenciada, durante o ato, com críticas profundas ao governo Bolsonaro.
Luta antiga
A luta do povo negro pelo direito à vida não é nova. A Pelotas das Charqueadas, símbolo da “opulência” e de um estilo considerado “europeu”, no século XIX, esconde as chagas de um passado inglório. Não revela aos turistas, afoitos por encher os olhos com os “casarões” da cidade, as marcas dos açoites e os gritos de dor que se ergueram junto com os prédios. Esse mesmo povo, ainda hoje, sofre com discriminação e violência por parte do Estado. Quem detém o poder econômico, ao longo dos séculos, pode até substituir um pelourinho – lugar onde os negros eram castigados e exibidos ao público – por um Chafariz, importado da França, em uma praça que leva o nome de um coronel, mas isso não apaga a feiura que se esconde por de trás do líquido que jorra por aquelas fontes: o que, hoje, é água, em um passado não muito remoto, era sangue.
Vidas negras importam
“Vidas negras importam” – diziam os cartazes, pelas ruas de Pelotas, durante a marcha dos que não podem, simplesmente, “ficar em casa”. Que direito alguém tem de dizer à população negra, em sua grande maioria periférica, para que “fique em casa”, no domingo, mesmo que saia para trabalhar todos os outros dias da semana, pegando conduções lotadas, muitas vezes sem nenhuma garantia ou direito adquirido, por atuar na informalidade? Isso quando já não está em situação de desemprego, sendo levada a enfrentar filas, quilométricas, para tentar um auxílio emergencial de apenas R$ 600,00, com o objetivo de trazer para casa, no final do dia, o mínimo necessário para alimentar sua família, em casas que, muitas vezes, não são mais do que um cômodo. Essa verdadeira “seleção” de vidas que tem, ou não, o direito de se cuidar, é a face mais nefasta de um Estado contaminado pelo fascismo, cuja crise sanitária, hoje visível com a disseminação do coronavírus, tem sido tratada de modo a negar há muitas pessoas o direito constitucional – e humano – à vida.
Desafio mundial
Ao falar sobre a difícil tomada de decisão em sair às ruas, em plena crise sanitária, o professor do IFSul, Francisco Vitória, chamou à atenção do público presente no ato para quem são, de fato, os negros, em Pelotas, e o que a luta desse povo representa. “Nós somos herdeiros do quilombo de Manuel Padeiro. Nós, aqui, na cidade de Pelotas, somos a resistência andante. Nós não nascemos, crescemos e estamos, aqui, de graça, não. Aqui, a dor é bem maior. E essa dor, bem maior, precisa ser ouvida e precisa ser entendida”. O apelo, realizado por Vitória, ecoa em todas as manifestações pelo mundo: para que alguém possa chegar ao estágio de antirracismo é preciso, antes de tudo, aprender a ouvir e reconhecer o seu interlocutor, porque o racismo é parte estruturante da sociedade e, portanto, afeta a todos.
*Jornalista do Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região
Fotos: Eduardo Menezes