Matéria da GZH aborda mudanças nos hábitos dos usuários de bancos
Confira abaixo matéria publicada nessa segunda-feira (25/9), no site da GZH, sobre as mudanças nos hábitos de uso de serviços bancários:
Pix e contas digitais: novos hábitos transformam rotinas com bancos e colocam em debate papel das agências físicas
Conforme Febraban, quase 80% das transações bancárias já são feitas em canais digitais
— Meus pagamentos são todos com débito em conta. Faz cerca de cinco ou seis anos que estou sem pisar numa agência. Não tenho saudade de pegar as contas e pagar os boletos no banco —diverte-se a aposentada Noeli de Almeida Mércio, de 80 anos.
Já amiga a aposentada Miriam Carvalho Dias, 72, ainda é daquelas que gosta de ir para a agência e bater um papo com o gerente.
— Não gosto dos aplicativos, não me adaptei bem. Ele (gerente) me conhece de longa data e todos da agência me conhecem. Eu entro já dando bom dia para todo mundo. Então, para mim, é uma festa, gosto disso — afirma.
Se para os mais velhos o uso de aplicativo de bancos pode, ainda, encontrar resistência, entre os mais jovens a abertura de contas via aplicativo é comum.
— Fiz tudo pelo aplicativo. Nunca preciso de algum tipo de contato ou deslocamento. Faz mais sentido. Abri a conta em 2020, quando comecei a trabalhar. Precisava ter uma conta rápida. E era durante a pandemia e não queria sair de casa — explica a jornalista Victoria Urbani, 26.
Entre as razões pelas quais optou pelo banco, ela destaca a ausência de cobrança taxas de manutenção da conta.
— Não quero gastar dinheiro. Sou jovem, ganho pouco e não quero ter que pagar taxas de banco. Tem tanta coisa que a gente tem que pagar que não faz sentido ter que pagar para ter uma conta — critica.
Miriam e Vitoria estão representadas em uma pesquisa da Serasa, que mostra as gerações X (42 a 58 anos), Y (de 29 a 41 anos) e Z (de 18 a 28 anos) como as mais habituadas aos avanços tecnológicos, com mais de 90% dos acessos bancários efetuados via aplicativos. O índice cai para 79% entre os usuários acima de 59 anos. O hábito de sacar dinheiro em caixas eletrônicos também cai entre as gerações mais jovens.
Os avanços tecnológicos dos serviços bancários nos últimos anos facilitaram as transações bancárias e popularizaram o uso de aplicativos entre os brasileiros de todas as idades. A criação do Pix, em 2020, e a pandemia de covid-19 aceleraram as transformações no setor e mudaram a relação dos usuários de diversas gerações com as finanças.
A transformação, no entanto, não chega de forma igual. Entre os mais jovens o uso de aplicativos de bancos já virou rotina, mas para pessoas acima de 59 anos, a utilização de canais digitais ainda enfrenta alguma resistência.
Jovens preferem aplicativos
Pisar nas agências ou mesmo usar um caixa eletrônico já não é parte da rotina de um grupo expressivo de pessoas, entre elas a jornalista Victoria Urbani.
— Devo ter sacado uma vez em 2017, quando tinha 19 anos. Acho que foi a última vez que saquei — conta.
Se a praticidade acelera a dinâmica para solucionar questões, a digitalização pode impedir o contato com o banco, algo indispensável em várias situações.
— Tive uma experiência negativa recentemente. Paguei a fatura do cartão de crédito e deu problema no aplicativo. Acabei pagando duas vezes. Fiquei nervosa e tive que falar com o banco para ressarcir o dinheiro. Às vezes me incomoda falar com robôs ou necessitar de serviços automatizados. A gente não consegue explicar direito e às vezes fica preso a uma conversa que dá uma agonia. Isso incomoda, preferia um atendimento humanizado — observa.
O desenvolvedor de software Fabrício Durand da Silva, 24 anos, só utiliza serviços bancários via aplicativo. Para abrir as contas, ele tirava fotos dos documentos, esperava as validações e criava a conta. Ele garante que em poucas horas a abertura da conta já estava concluída.
— Sempre tive conta em banco digital. Tenho contas em bancos tradicionais também, mas nunca precisei ir numa agência — afirma.
Como a maioria dos jovens, Silva afirma que resolve boa parte das finanças via aplicativo ou atendimento eletrônico. Saques e uso de dinheiro físico para pagamento de contas não fazem parte da rotina de Silva, que prefere utilizar cartão ou Pix.
Tecnologia mais amigável
Professora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cristiane Pizzutti dos Santos avalia que as mudanças tecnológicas estão cada vez mais amigáveis. Especialista em gerenciamento de reclamações, serviços, comportamento do consumidor, marketing de relacionamento e confiança, Cristiane vê a preferência para agências físicas por clientes que têm mais dificuldade ou receio de manusear o dinheiro no banco.
— Não me surpreende a adesão dos Baby Boomers aos serviços bancários por aplicativo no celular, por causa da conveniência que eles oferecem e da facilidade de utilização também. Esse tipo de tecnologia está cada vez mais amigável. Porém, talvez os mais velhos, acima dos 75, parecem ainda ter receio de ficarem vulneráveis a golpes ao usarem o aplicativo do banco. E também podem ter mais dificuldades na sua utilização — avalia.
Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Mobilidade e Convergência Midiática da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS (Ubilab), Eduardo Pellanda avalia que a pesquisa confirma estudos anteriores sobre o tema, que já apontavam mudanças entre as novas gerações no que diz respeito a perspectivas de vida e finanças pessoais.
— Essa geração tem outra relação com dinheiro, que é muito mais de pagar contas e prazer imediato. Tem relação com tudo que está acontecendo no mundo pós-pandemia, com instabilidades que estamos vivendo e a relação das pessoas com o trabalho nesse momento — compara.
Pellanda lembra que há uma tendência em fazer transformações nos serviços bancários oferecidos em agências físicas, as focando na oferta de serviços.
Canais digitais
Como prova de que as transações bancárias por aplicativo ou redes digitais ganharam força nos últimas anos, uma pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta que quase 8 em cada 10 transações bancárias realizadas no Brasil são feitas em canais digitais, como o mobile banking e internet banking (77%).
No total, em 2022, os brasileiros fizeram R$ 163,3 bilhões de transações nos vários canais de atendimento disponibilizados pelos bancos, um aumento de 30% ante 2021 e a maior taxa de crescimento. O diretor do Comitê de Inovação e Tecnologia da Febraban, Rodrigo Mulinari, avalia que a criação do PIX e a pandemia alavancaram os serviços digitais do setor, fazendo com que as agências físicas, que em 2018 representavam 25% do total cheguem a 8% agora.
— O Pix foi um grande influenciador dessas mudanças, pois é um grande sucesso. O número de usuários cresce ano a ano. Vários clientes que não utilizavam os canais digitais passaram a usar — afirma.
Mulinari, no entanto, aponta que apesar do investimento exponencial em tecnologia, em algumas regiões o atendimento em agências físicas é fundamental.
— Tem clientes que preferem atendimento físico. E tem que ter essa opção, mas depende da característica da operação. Por exemplo, crédito rural e seguros são serviços realizados mais em agências físicas do que em canais digitais. São operações mais complexas — destaca, acrescentando que o número de agências físicas não diminuiu em volume, mas mudou de papel.
O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) afirma que as mudanças do setor financeiro, como o uso plataformas digitais, resultam na redução do número de agências e de trabalhadores disponíveis. Para o secretário-executivo do SindBancários, Luiz Cassemiro, um grande número de pessoas utiliza plataformas para autoatendimento, mas outra parcela de usuários vai ao banco.
De acordo com Cassemiro, o Rio Grande do Sul é o estado que tem mais cooperativas e financeiras, o que o diferencia de outras regiões do país.
— O Banrisul é o maior banco do Estado. Tem municípios que os bancos privados não querem estar porque não veem negócio lucrativo na região. Por isso a importância do banco público — avalia.
Além da dificuldade dos usuários para usar aplicativos, Cassemiro destaca que algumas regiões têm problemas na rede de internet.
— Isso gera impacto para a população que precisa de serviços bancários na ponta. Se formos a uma agência do Banrisul ou da Caixa Econômica Federal, na Restinga, encontraremos uma fila monstruosa de gente para ser atendida. E com poucos caixas para atendimento. São regiões onde a população carece de um bom celular. E não é qualquer celular que funciona o aplicativo — acrescenta.
Texto: Felipe Samuel / GZH
Foto: Jonathan Heckler / Agencia RBS