Motoristas por APP falam sobre o PLC que regulamenta categoria
Previdência e renda mínima são apontadas como conquistas essenciais
Passo importante para não cair em armadilhas e acreditar em mentiras sobre o PLC que regulamenta a profissão de motorista de passageiros por aplicativo é, simplesmente, ler o Projeto de Lei Complementar (PLC). É o que diz a presidenta do Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), Carina Trindade. O projeto tem sido alvo de diversas fake news, em geral, disseminadas por grupos de extrema direita contrários a direitos trabalhistas.
Em um recado claro e direto a quem tem dúvidas ou tem se informado sobre o projeto por meios sem credibilidade, ela reforça: “tente se inteirar sobre o PLC, leia o projeto. Converse com quem entende, consulte o Sindicato. Tem que entender que traz garantias sociais, piso e não vai deixar o trabalhador desamparado. Muda para melhor a situação”.
A dirigente reafirma o que outras lideranças sindicais e o próprio governo já deixaram claro. O projeto é um ponto de partida para que, por meio de negociações coletivas, a categoria possa buscar mais melhorias.
Por outro lado, o PLC é comemorado por motoristas que têm a consciência da necessidade de se ter proteção social, ou seja, poder, por exemplo, recorrer à Previdência em situações que precise se afastar do trabalho por doença ou acidentes.
Ouvidos pelo Portal da CUT, trabalhadores do setor, que também fazem parte da mobilização pelo reconhecimento como categoria, relatam suas visões sobre como poderá ser a realidade daqui para frente, se o projeto for aprovado no Congresso.
Sentimento comum a todos é de que eles saíram de uma condição de “inexistente para ser uma categoria, reconhecida e com proteção social”.
“Hoje a categoria nem é reconhecida, nem sabemos ao certo quantos são e onde estão estes trabalhadores. Mas sabemos que têm uma dura realidade e nenhuma proteção social”, diz Carina Trindade.
Dirigente sindical da nova geração e motorista por aplicativo desde 2017, Carina sente na pele e vê nas ruas, todos os dias, essa realidade. Ela é testemunha de muitos casos de colegas que passaram por grandes dificuldades.
“Muitos podem até desprezar, achar que não é necessário, mas quem já passou por uma situação de adoecimento, teve que parar de trabalhar e depender de vaquinha de amigos para sobreviver, sabe o quanto é importante esse direito”, diz Carina sobre uma das principais conquistas do PLC, a assistência previdenciária.
Se eu me acidentar, ou engravidar, vou ter proteção social. É fundamental para a trabalhadora, inclusive, que poderá acessar o auxílio-maternidade – Carina Trindade
O sentimento de proteção social é compartilhado por Douglas Santiago Machado, também motorista por aplicativo, que faz parte da diretoria do sindicato de Porto Alegre (RS).
“A gente tava largado às traças, abandonado, por não ter nenhum tipo de segurança social. Hoje em dia, se eu me acidento, fico doente, eu fico em casa e não ganho nada, né? Então, pô, eu tenho família, eu tenho criança pequena, eu acabo ficando à mercê da sorte”, diz Santiago, explicando que com o projeto sendo aprovado, poderá recorrer à Previdência Social. “Eu acho que isso é um grande ganho”, ele pontua.
Passado, presente e futuro
Carina Trindade, que além da atuação sindical trabalha seis dias por semana como motorista, integrou o Grupo de Trabalho Tripartite, responsável pela elaboração do projeto. À nossa reportagem, ela contou que desde que ingressou na atividade de motorista, o que viu foi um total desprezo das plataformas pelos ‘seres humanos atrás do volante’.
“Fazem o que querem, não conversam com ninguém. O PLC muda essa situação. Agora, além de regras explícitas, teremos uma representação para nos defender”, ela diz, citando vários dos percalços enfrentados pelo setor.
Entre os entraves, um bem conhecido de muitos motoristas, o chamado bloqueio branco, em que as plataformas, sem dar explicações, ‘boicota’ o motorista não oferecendo ou direcionando viagens no aplicativo, prejudicando, desta forma, a renda.
Além disso, há as punições também injustificadas que resultam em banimento pelas plataformas. O PLC, ela diz, traz regras para que haja uma maior transparência nesses casos, ou seja, o trabalhador deverá ser informado, com detalhes, e a partir daí, os sindicatos poderão defendê-lo judicialmente.
“Motoristas sofrem esses bloqueios e a plataforma não reintegra. Aí você pode ter o caso da pessoa que pagou 80 ou 100 mil reais num carro novo e se é banida, o problema é dela. Agora, com o acordo com as plataformas, a gente vai conseguir negociar e cobrar direto da empresa essas situações”, diz.
Piso salarial e a máquina de fake news
Após o anúncio do projeto que regulamenta a categoria, os setores conservadores da economia e da sociedade se dedicaram a minar todos os avanços trazidos na negociação tentando criar uma ideia de que eram prejudiciais não só a proteção social como outros pontos importantes, tais quais o piso salarial e a relação entre motorista e plataforma ser tratada como trabalhista e não ‘entre empresas’.
É preciso reforçar que o valor de R$ 32,10 por hora trabalhada, previsto no PLC, será pago, obrigatoriamente, pelas plataformas e é uma renda mínima para o motorista. Não deverá servir de teto para o rendimento.
A renda, portanto, passa a ter uma garantia de piso salarial nacional para que todos os trabalhadores e trabalhadoras do setor, em todas as cidades do país, tenham o mesmo rendimento. Há cidades em que a hora paga pelas plataformas não chega a R$ 20.
“A plataforma não pode usar os R$ 32,10 como teto e se usar, terá multa para plataforma. O sindicato é que vai fiscalizar, receber denúncias e acionar a empresa”, diz a presidenta do Simtrapli-RS.
Contraponto
O combate às fake new é parte da mobilização e do engajamento para que o projeto seja aprovado, reforça Douglas Santiago.
“Precisamos defender a verdade. O pessoal não está parando pra se informar direito, não está lendo o PL e, por isso, não está entendendo. É um piso” ressalta Santiago. Ele reforça ainda que se trata de um valor mínimo e que “não pode ganhar menos que isso”.
“Não significa que hoje eu vá trabalhar e não possa ganhar R$ 50 a hora mínima. O que vai acontecer é que eu não vou ganhar menos que os R$ 32. No caso dar R$ 20 reais a hora, o aplicativo vai complementar pra mim até chegar aos R$ 32. Então isso é um ganho também”, explica o motorista.
Relação de trabalho
O ponto do projeto que regra a relação entre motorista e plataformas como trabalhista, também vem sendo deturpado por aqueles que defendem um sistema baseado na deterioração de direitos trabalhistas e na exploração selvagem da mão de obra.
Além de tentar alienar corações e mentes, afirmando que a partir de agora o trabalhador não terá sua independência, sua autonomia, tais setores alardeiam que as plataformas podem deixar o país. “Por que aconteceria isso se as próprias empresas participaram do processo de negociação?”, ironiza Thomaz Campos, diretor de Saúde do Sintrapli-RS.
O que houve, de verdade, ele diz, foi um fortalecimento desses trabalhadores, que continuarão ‘donos de seu próprio tempo’, mas com o diferencial de ter proteção social e ter reconhecimento enquanto categoria.
Campos explica ainda há muitos motoristas que são “liberais que acreditam que são microempresários, que não aceitam a ideia de que são trabalhadores, de que são explorados pelas portas da frente”.
“Mas a gente saiu da condição de inexistentes”, ele reforça lembrando que esses trabalhadores agora aparecem como categoria, o que muda a forma de diálogo com as plataformas.
A plataforma conversava com você como se você fosse uma outra empresa. Não pode levar como se isso uma vantagem porque a nossa relação com eles é uma relação de trabalho, não é uma relação comercial. Nós prestamos um serviço, trabalhamos para eles- Thomaz Campos
A afirmação se relaciona com a ‘satisfação’ desses trabalhadores em passar a ter uma sensação de ‘pertencimento’. Douglas Santiago demostra seu orgulho em poder ser reconhecido como categoria.
“É bom a gente ser reconhecido, a gente ter esse reconhecimento de ser denominado como profissional, né? Poder chegar numa loja, num banco, e se apresentar dizendo ‘eu sou motorista, eu tenho profissão’. É coisa que a gente não tinha”, diz Santiago.
Ele contou ainda à nossa reportagem sobre o olhar, de certa forma discriminatório da sociedade em relação a ser motorista por aplicativo ou não ter um emprego reconhecido como profissão.
“A gente sabe a visão que muita gente tem quando ‘tu diz’ que não tem uma profissão. A visão da pessoa é que o cara é uma escória, ou por aí. Então hoje a gente vai poder chegar e dizer ‘olha, eu sou profissional, eu tenho profissão’, e isso é muito valoroso”.
Outra frente de desconstrução de ideias deturpadas acerca do projeto é a questão da jornada de trabalho. O PLC traz como limite 12 horas de conexão, para que o trabalhador possa ter sua renda e não colocar em risco tanto a sua saúde quanto a sua segurança e a dos passageiros.
Os motoristas ouvidos pelo Portal da CUT relatam casos de jornadas extenuantes para garantir uma renda razoável, que acabaram resultando não só em acidentes provocados pelo cansaço do motorista como em casos severos de adoecimento em decorrência do excesso de trabalho. Carina Trindade cita a si própria como exemplo de já ter passado por situações dessa natureza.
“Eu posso trabalhar 16, 18 horas, mas vai interferir na saúde. Vai ter risco de acidentes. E já aconteceu. Um companheiro não suportou a pressão e acabou tendo um AVC. Ficar tanto tempo na rua também prejudica a própria vida, não só a saúde, mas a vida social e em família. Você não vê teu filho crescer, não tem tempo de ver uma TV”, conta Carina.
Foto: Roberto Parizotti (SAPÃO)
Redação: André Accarini – CUT