Curso “Economia para a Transformação Social” termina com reflexões sobre desafios da atualidade

Ao contrário do discurso da extrema-direita de que, no Brasil, o Estado atrapalha o capitalismo, o que ocorre, na realidade, é o inverso. O modelo de Estado estabelecido é o que possibilita o fortalecimento do sistema econômico que prevalece no mundo, em uma relação de interdependência e com resultados que não são meramente comerciais, mas que impactam na vida da população e na soberania nacional.

Esta é uma das análises apresentadas no quarto e último módulo do curso Economia para a Transformação Social, organizado pela Secretaria de Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), entre os dias 15 e 16 de maio, na sede da entidade, na capital paulista e que contou com a participação de representantes de federações de norte a sul do país.

“O público-alvo deste curso foram os dirigentes sindicais bancários, de outras entidades filiadas à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e assessores. Porque, como aprendemos, desde o primeiro módulo, que foi realizado em março, entender o cenário político e econômico que vivemos e como ele surgiu, nos capacita para a construção e fortalecimento de lutas pelos interesses da classe trabalhadora”, explicou o secretário de Formação da Contraf-CUT, Rafael Zanon.

O quarto módulo foi ministrado em dois dias, com os temas “Subdesenvolvimento, neoliberalismo e transformação social no brasil” e “Subdesenvolvimento, industrialização e neoliberalismo”, no dia 15 de maio, e “Crescimento e distribuição nos governos Lula e Dilma”, “Ascensão e fracasso da estratégia neoliberal” e “Agenda econômica para a transformação social”, no dia 16 de maio.

Destaque do último módulo: exemplo do MST

Um debate que ganhou profundidade no primeiro dia, ministrado pela professora Juliane Furno, cientista social, economista e doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi a mudança de estratégia de luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ao longo dos últimos anos.

Juliane explicou que o latifúndio, como conhecemos hoje, foi moldado pelo capital financeiro. Ou seja, o esquema não pode ser avaliado apenas como uma propriedade rural extensa, pertencente a um grande proprietário ou família, podendo ser produtivo ou improdutivo.

“O latifúndio foi capturado pelo capitalismo moderno. São grandes conglomerados de empresas, controladas por bancos, pelos grandes fundos, que determinam o seu funcionamento. Por isso que, hoje, para o MST, não adianta apenas a reforma agrária, ou seja, a divisão do latifúndio em terras menores para diversos proprietários. A pauta política do MST inclui agora a mudança no modelo do agronegócio”, destacou Juliane.

Como exemplo da intrincada relação do capital em toda a cadeia produtiva, a professora observou que, apesar de em torno de 70% dos alimentos que chegam nas mesas dos brasileiros vir da agricultura familiar, as grandes empresas controlam todas as etapas da distribuição, das mãos do produtor até a venda dos alimentos, nas grandes varejistas.

Por esse motivo é que hoje em dia, em caso de crise econômica mundial, não seria possível ocorrer o mesmo que ocorreu em 1929, quando o governo de Getúlio Vargas teve que comprar e queimar toneladas de café, para diminuir a oferta e conseguir manter o preço do principal produto do país, naquela época. “Hoje em dia há um controle maior das cadeias produtivas pelo capital. Uma saca de soja, por exemplo, já está precificada e vendida no mercado de ações”, pontuou Juliane Furno.

O problema dessa estrutura atual são o controle da produção e a concentração de riquezas, tornando não só os pequenos produtores dependentes das decisões de poucos, mas o próprio estado brasileiro interdependente do capitalismo.

Disputa de agendas

No segundo dia do quarto e último módulo do curso, o professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon), Pedro Rossi, destacou que no centro da disputa político-econômica no Brasil estão duas agendas: uma é a distributiva e a outra neoliberal. A primeira, amparada pela Constituição Federal de 1988, e a segunda quer reforma desta mesma Constituição.

“Desde o início, a Constituição de 1988 foi atacada pelos economistas neoliberais, porque o documento propõe caminhos para um Estado de Bem-Estar no Brasil, garantindo o direito à saúde pública, por meio do SUS [Sistema Único de Saúde], Seguridade Social, além de determinar, por exemplo, o papel das Estatais e dos bancos públicos para o desenvolvimento do país”, explicou o professor.

A tensão entre as agendas distributiva e neoliberal é o que explica a trajetória política do Brasil dos anos 1990 até hoje. Neste período, o país sofreu dois momentos de destruição da sua competitividade industrial, por conta da prevalência da agenda neoliberal nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Collor realizou a abertura comercial do Brasil, mas sem nenhum preparo ou medida de proteção às produções nacionais. Por conta das baixas taxas de juros básicas nos Estados Unidos, o impacto inicial dessa abertura foi a entrada de mais recursos no país, depois de uma década fora do circuito financeiro mundial. Mas a aparente melhora econômica acabou dando lugar a uma crise aprofundada, por conta do aumento da dívida externa brasileira e desindustrialização.

Com o Plano Real, implementado por FHC, ocorreu o segundo e forte ataque ao parque industrial brasileiro. Apesar de ter controlado a hiperinflação herdada da década de 1980, o Plano Real “destruiu a estrutura produtiva brasileira, fazendo até com que setores inteiros desaparecessem, por causa da abertura comercial forte e imediata e a desvalorização cambial”, explicou Pedro Rossi.

Desta forma, a eleição de Lula, em 2002, foi a resposta da população pelo seu descontentamento com os resultados da agenda neoliberal. “No fundo, a crise do modelo neoliberal, na década de 90, acaba provocando mudanças em toda a América Latina, permitindo a chamada Onda Rosa [guinada à esquerda], não só no Brasil, mas em outros países da região, com a ascensão de políticos com agendas distributivas”, observou o professor.

Entre os problemas apresentados por ele e que levaram às crises políticas seguintes, como o golpe que derrubou Dilma, em 2016, a chegada de Bolsonaro à Presidência da República e as dificuldades enfrentadas hoje por Lula, em seu terceiro mandato, para implementar a agenda distributiva, está o fortalecimento do discurso político-econômico neoliberal entre a população.

Por outro lado, Pedro Rossi avaliou que as crises presentes, desencadeadas pelo mesmo sistema neoliberal, especialmente as ambientais, dão oportunidade para a sociedade conscientizar-se que é preciso pensar outro modelo econômico, para transformação social e ecológica. “O que a história mostra é que, sem investimentos maciços e públicos, orientados pelo Estado, jamais será possível implementar essa mudança”, concluiu.

Fonte: Contraf-CUT

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