Privatização da CEEE pode gerar desemprego, precarização e afetar o desenvolvimento do Estado
O aumento do desemprego é um dos principais temores dos sindicatos que representam trabalhadores da CEEE, caso ela seja adquirida por outra empresa. Os engenheiros já sentiram isto na pele em 2016, quando o grupo CPFL, que já era detentor da RGE, adquiriu também a AES Sul, ficando com dois terços da distribuição de energia do Rio Grande do Sul. “No caso dos engenheiros, tivemos uma redução de 20% do quadro. Áreas meio, como recursos humanos e contabilidade, foram praticamente extintas”, relata Diego Oliz, diretor de negociações coletivas do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (SENGE).
Segundo o dirigente sindical, já em 1997, quando o grupo CPFL adquiriu a fatia norte-nordeste da CEEE, houve perda de funcionários. “A CPFL em 1997 já levou parte do quadro funcional para São Paulo. Parte da engenharia hoje já está lá. Porque se tu juntas com outra empresa que já tem, ela leva a parte da engenharia para São Paulo, que é o que pode ocorrer com a venda da CEEE. Com isso tu reduz o poder de consumo aqui. É menos gente consumindo e participando dos impostos”, lamenta Oliz.
“O impacto é muito grande”, concorda a presidenta do Sindicato dos Eletricitários do Rio Grande do Sul (SENERGISUL). “Nesses 22 anos, eu desafio alguém a achar uma conta bancária da RGE no Rio Grande do Sul. O Jurídico é em São Paulo, o RH, a Contabilidade”, afirma.
A preocupação dos sindicatos faz sentido. De acordo com o DIEESE, apenas entre 1994 e 1997, durante o processo de privatizações, o setor elétrico perdeu 50 mil empregos diretos, passando de 188 mil trabalhadores para 138 mil. O emprego seguiu caindo no setor até 2000, quando iniciou uma pequena recuperação. Apesar deste crescimento, em 2011 o número de postos de trabalho no setor era de 123 mil, muito abaixo do nível atingido antes do processo de privatizações.
Em paralelo a isto, a força de trabalho terceirizada vem crescendo no setor. E este crescimento é um dos temores dos trabalhadores quanto à privatização da CEEE. “Ganham menos, têm menos benefícios e mais horas a trabalhar. Se percebe uma troca constante, e tem muitos acidentes também, com as terceirizadas”, relata Diego Oliz. “Gera precarização, maior risco para as pessoas”, concorda a presidenta do SENERGISUL.
De fato, as empresas públicas do setor elétrico apresentam menor parcela de terceirizações, embora também seja um número alto. Em 2008, segundo o DIEESE, a força de trabalho terceirizada era de 50,2% nas empresas de controle público e de 64,7% nas empresas de controle privado. No caso da CEEE, as terceirizações ficam abaixo desta média. São 2.259 funcionários do quadro e 1.644 terceirizados na área da distribuição, ou 42% de terceirização. Na área de geração e transmissão são 511 terceirizados e 1.066 funcionários do quadro, totalizando 32% de terceirizados.
E as terceirizadas oferecem mesmo maiores riscos para os trabalhadores. De acordo com o Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro 2011, da Fundação Coge (instituição criada pelas próprias empresa do setor), entre 2002 e 2011, 139 empregados do quadro próprio das empresas do setor elétrico brasileiro perderam suas vidas em acidentes fatais. No quadro das terceirizadas, foram 609 mortes.
Se por um lado os trabalhadores lutam pela manutenção do caráter público da CEEE, por outro, diminuir os impactos de uma possível privatização é uma preocupação que já está sendo tratada nas negociações coletivas. “Está se tentando, caso ocorra a privatização, colocar uma estabilidade para os funcionários de quatro anos após a troca do controle acionário”, conta Diego Oliz, do SENGE.
Cadeia produtiva local pode ser afetada
O desemprego pode afetar não só os trabalhadores da CEEE, mas sua cadeia de fornecedores. Segundo os sindicatos, a empresa pública faz mais compras locais que as concessionárias privadas. “Toda a cadeia produtiva de fornecedores vai sofrer com isso. A gente tem torres, cabos, isoladores, fios, transformadores, tudo o que compõe um sistema elétrico boa parte é fabricado aqui no Rio Grande do Sul e levou algumas décadas para essas empresas se aparelharem e poderem atender a CEEE e não vão poder mais atender esse mercado”, afirma Luiz Alberto Schreiner, diretor financeiro do SENGE.
Segundo o sindicato, as empresas privadas costumam centralizar suas compras em São Paulo, fazendo apenas pequenas aquisições no Rio Grande do Sul. Com a chegada da chinesa State Grid, que em 2017 adquiriu a RGE e RGE Sul, isto tende a se agravar. O SENGE acredita que, em breve, os fornecedores começarão a ser chineses. “Com isso vai afetar a economia local. As pequenas indústrias, os fornecedores de postes, cabo, equipamentos elétricos vão sentir isso daqui algum tempo”, afirma Diego Oliz.
Além disto, a State Grid é tida como uma possível compradora da CEEE. “Os materiais vão vir de onde?”, questiona Ana Maria Spadari. “Vai quebrar muita pequena empresa que vende materiais elétricos. Eles não fazem a compra de um pneu no Rio Grande do Sul”, afirma.
Para o secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos, o Estado tem que fazer com que os fornecedores locais sejam competitivos. “Claro que a gente tem que ter atenção à indústria local. O Estado tem que fazer com que as empresas aqui instaladas tenham condições de, no melhor preço, ganharem uma eventual concorrência. Não tenho exemplo no mundo de um empresário que opte por comprar equipamento ou insumo mais caro para atender a algum interesse, ele sempre vai buscar o melhor custo benefício. Então cabe ao Estado fazer com que o ambiente seja o mais salutar para que as indústrias que aqui estão tenham condições de disputar mercado com outras empresas. De que forma? Aí a gente tem que entrar para dentro de cada atividade, seja em forma de incentivos, seja em forma de mitigação, seja simplificação. Nós não vamos poder obrigar o privado, mas o privado com certeza tem interesse em adquirir o melhor equipamento em custo-benefício”.
Luiz Alberto Schreiner rememora que, em diversos momentos, a CEEE teve um papel na atração de investimentos para o Estado, casos da General Motors e do Polo Naval de Rio Grande. “A CEEE conseguiu em tempo hábil dar resposta para a General Motors. Quando veio se instalar aqui e não tinha condições de atendimento em Gravataí, a CEEE foi lá e fez uma rede, uma subestação. O Polo Naval em Rio Grande também, a CEEE foi lá e fez uma linha submarina, que atravessa o canal”, relata.
O secretário Artur Lemos discorda que a CEEE esteja cumprindo este papel. “Ela não era administrada para isto. Na verdade a gente tem administrado o efeito contrário. A gente teve que passar para o privado executar obras que não são de sua responsabilidade pela incapacidade financeira da CEEE”. Lemos ressalta ainda que qualquer concessionária seria obrigada a atender as demandas de empresas que vêm se instalar no Estado. “Esta atração deixa de existir na medida em que o setor elétrico regulado diz que a companhia é obrigada a entregar a energia que o consumidor precisa. Digamos que uma nova montadora viesse a se instalar e determinada região não tivesse capacidade. Iria fazer essa solicitação para a empresa, a empresa encaminharia para a ANEEL, a ANEEL faria os resultados de qual investimento ela teria que fazer, e a própria empresa, seja pública ou privada, teria que fazer os investimentos, porque ela é obrigada levar energia a quem quer que seja. Então, esta atração deixa de existir”, afirma o secretário.
Porém, a diferença apontada pelo SENGE é que, ao invés de esperar todo este trâmite burocrático, a CEEE em diversos momentos teria construído subestações e redes antes que isto passasse pela ANEEL, agilizando a instalação das empresas, ainda que corresse o risco de não ser autorizada a colocar esse investimento na tarifa.
Entenda o histórico das privatizações de energia elétrica no RS
Em 1996, o Governo Britto dividiu a distribuição de energia da CEEE em três empresas: CEEE Sul-Sudeste, CEEE Centro-Oeste e CEEE Norte-Nordeste. Em outubro de 1997, as companhias de distribuição de energia elétrica Norte-Nordeste e Centro-Oeste foram arrematadas com ágio de 82,62% e 93,55%, respectivamente. O governo gaúcho conseguiu levantar R$ 3,145 bilhões com as vendas. A CEEE Norte-Nordeste foi comprada por R$ 1,635 bilhão pelo consórcio formado pela VBC Energia (Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa), Previ (fundo dos funcionários do Banco do Brasil) e a empresa norte-americana Community Energy Alternatives, passando a se chamar RGE. O consórcio se tornaria conhecido como Grupo CPFL. Já a Companhia Centro-Oeste foi comprada pela AES Corporation, dos EUA, se tornando a AES Sul.
Ficaram, portanto, AES Sul, RGE e CEEE-D, cada uma com cerca de um terço da distribuição de energia do Estado (além delas, há pequenas cooperativas operando). Em 2016, o Grupo CPFL adquiriu a AES Sul, ficando com dois terços do mercado gaúcho, e passou a chamar a AES Sul de RGE Sul. Finalmente, em 2017 a chinesa State Grid virou acionista majoritária do Grupo CPFL.
No ramo de geração e transmissão, a parte de termelétrica (CGTEE) foi federalizada, também no Governo Britto. E a CEEE-GT seguiu estadual, produzindo cerca de 18% da energia hidrelétrica do Rio Grande do Sul e também a maioria das instalações que compõem a Rede Básica de Transmissão do Estado.
Foto: Joel Vargas/PMPA
Fonte: Sul 21