Capitalização da Previdência deve voltar ao Congresso em novo ‘pacote de maldades’

Com salários menores do que dos homens, mulheres são as mais prejudicadas pela capitalização

Excluído do texto da “reforma” da Previdência aprovado na Câmara e que está no Senado, o modelo de capitalização da Previdência defendido pelo ministro Paulo Guedes pode voltar em breve. O alerta foi reforçado por Eduardo Moreira – sócio do Banco Pactual até 2009, um dos fundadores da empresa Brasil Plural e criador da Genial Investimentos –  na tarde de ontem (27), segundo dia de debates do 6º Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde: acidentes, adoecimentos e sofrimentos. O evento sediado na Faculdade de Direito da USP, na região central da capital, vai até o próximo dia 30.

Engenheiro e estudioso de Economia, Moreira é um dos maiores críticos da chamada reforma da Previdência, que não combate privilégios e sacrifica quase 100% da população brasileira.

Adotado no Chile, onde Guedes trabalhou durante a ditadura de Augusto Pinochet, que durou de 1973 a 1990, essa forma de poupança tornou aquele país líder de um triste ranking: de suicídio entre idosos em toda a América Latina. Há tantos obstáculos que nem todos conseguem se aposentar. E os que chegam a se aposentar recebem valores tão baixos que mal conseguem pagar remédios. Para sobreviver, os que têm mais saúde continuam trabalhando, outros vivem com ajuda de familiares. E há aqueles que não têm nem saúde e nem parentes.

“A capitalização é uma poupança. Quem consegue poupar mais, vai chegar ao tempo de se aposentar com mais. A mulher é mais prejudicada, porque que ganha menos que o homem, tem carreira mais curta, se afasta para ter filhos e vive mais tempo que o homem. Por isso contribui menos, por menos tempo e vai ter menos para dividir por mais tempo. No atual modelo, as discrepâncias são atenuadas”, destacou.

Moreira está convencido de que a capitalização foi postergada para ser aprovada com mais facilidade em outro momento mais apropriado. “Será embutida em um pacote de maldades assim que eles (governo, economistas e setores da mídia) disserem que (a situação) não melhorou ainda, por que o regime de capitalização não foi aprovado. E que, quando passar, melhora. Acho que a gente tem de ficar atento a esse negócio”, destacou.

Para ele, se o objetivo principal da “reforma” é acabar com os verdadeiros privilégios e perseguir uma sociedade mais justa, o governo deveria começar por uma reforma tributária. “Mas não. O objetivo da turma que está no poder é proteger e preservar relações de poder de uma classe dominante que está entre as que mais acumulam riqueza no mundo”, disse.

Moreira não poupou críticas à elite que por não precisa se envolver no processo produtivo e que por isso sustenta a “financeirização” em detrimento da produção, determinando juros altíssimos e atacando os trabalhadores, sindicatos, associações e organizações. “É preciso entender quais são os objetivos do país que foi o último a abolir a escravidão e que continua com práticas que a gente acha normal, como ainda hoje se vender apartamento com quarto de empregada. Nem é empregado. É esse tipo de coisa que uma reforma tributária justa estaria combatendo. Mas isso eles não querem também”.

Austeridade

É esta mesma elite, segundo ele, que põe de joelhos governos que pregam austeridade. Conforme Moreira, se a capacidade de investimento está totalmente com o setor privado, há imposição de exigências. “Reforma trabalhistapara baratear a mão de obra é pouco e vão querendo cada vez mais liberdade econômica. E quem é contra liberdade?”, questionou. “Que liberdade tem alguém que mora em uma favela de grande metrópole brasileira, com hora para sair, para chegar, que tem de comprar telefonia e gás de uma certa pessoa, pagar serviço de proteção, e não escolhe emprego, é o emprego que o escolhe quando tem a chance de ser escolhido? Poderia ser um grande violinista, mas tem de ser caixa de supermercado. Que liberdade? As nações mais prósperas do mundo não são aquelas em que os ricos são mais ricos, mas que todos têm as mesmas oportunidades”.

Especialista em políticas públicas e gestão governamental, com doutorado em Economia pela Universidade de Paris 10, Paulo Kliass também defendeu a reforma tributária como básica para o país equacionar o financiamento da sociedade brasileira. E criticou a atual política, que considera a mais injusta.

“Uma pessoa que ganha 100, 200 mil reais por mês, paga pelo mesmo litro de leite o mesmo imposto que quem ganha um salário mínimo. Proporcionalmente, os mais pobres pagam mais imposto que os mais riscos, no topo da pirâmide. Precisamos de um sistema regressivo. Qual é a solução? O desenho de modelo tributário mais justo é a ideia de renda e patrimônio. Hoje lucros e dividendos são isentos. Grande fortunas, isentas. Jatinhos, helicópteros, iates, não pagam imposto, e carro popular paga o IPVA. Uma reforma tributária é a base para uma reforma previdenciária mais solidária, mais justa”, defendeu.

Na avaliação de Kliass, a “reforma” da Previdência conseguiu canalizar um sentimento para além dos que são contra ou a favor do texto de Jair Bolsonaro. E mostrou que que havia a intenção de colocar em pauta uma agenda “extremamente retrógrada” das políticas sociais. Tanto que a mídia tradicional defende a agenda Paulo Guedes, que “faz um trabalho bem feito, mas o problema é Bolsonaro, que fala bobagens e atrapalha a reforma tributária”. Pressa é o que não falta.

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