Entenda o que é e como acontece a mutação do novo coronavírus
A notícia de que uma nova versão do coronavírus teria aumentado exponencialmente os casos de infecção no Reino Unido, divulgada na semana do Natal, gerou preocupação em nível global.
Segundo artigo publicado na revista Virology, a variante do coronavírus nomeada como linhagem B.1.1.7, possui 17 mutações no código genético do vírus. Alguns deles estariam relacionados à velocidade de transmissão.
Isolada pela primeira vez no fim de setembro no sudeste da Inglaterra, essa variante se tornou, em poucas semanas, responsável por 60% das infecções em Londres. O que levou o Reino Unido a adotar medidas mais rígidas contra a proliferação do vírus mutado.
Pelo menos 18 países já detectaram a nova linhagem do vírus, que foi identificado no Brasil no dia 31 de dezembro, pelo laboratório Dasa.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a infectologista Regina Valim, docente da Universidade Federal de Santa Catarina e da Universidade do Vale do Itajaí, afirma que as mutações são processos naturais da microbiologia.
“A capacidade de mutação do vírus é uma capacidade adaptativa. Às vezes essas mutações não são boas para ele e acabam levando a sua extinção. Já existiram várias outras mutações ao longo da pandemia que o vírus foi fazendo, mas essa [registrada na Inglaterra] foi uma mutação adaptativa benéfica a ele. Porque fez com que a nova linhagem tivesse uma capacidade de transmissão extremamente eficiente. Essa é a diferença”, diz Valim.
A exemplo do alto poder de contágio que a nova variante indica possuir e dos casos de infecção que continuam a crescer dez meses após o início da pandemia, Valim alerta que a sociedade deve se preparar para continuar lidando com o novo coronavírus pelos próximos anos.
“Vamos ter que incluir a vacina do coronavírus no calendário vacinal anual como incluímos a da Influenza. É o que nós falamos: 2020 não vai acabar com o vírus. Vamos ter que aprender a conviver com ele”.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato – Com essa notícia da mutação, novos termos surgiram e gostaria de começar aqui pelo básico. Dados iniciais indicam que a chamada cepa veio da África do Sul e também tem maior poder de contágio. O que seria a cepa e de fato já há comprovação dessa transmissibilidade maior?
As cepas virais são, na verdade, os tipos de vírus. Quando um vírus novo surge, ele vem de uma família. E os vários membros dessa família são classificados conforme seu código genético. Quando se fala de uma cepa viral, é uma unidade viral identificada.
Essa nomenclatura que utilizamos. Quando soubemos que estava acontecendo uma infecção por um tipo específico da família do coronavírus, ele foi classificado de acordo com sua identificação genética. Por isso o Sars-Cov-2 é uma nova cepa viral.
Então a linhagem B117 é uma variante dessa cepa?
Isso. A partir da cepa identificada, classificamos as linhagens de acordo com as mutações do código genético. Quando eu digo que é a B117, ou B112, vai de acordo com as linhagens que vão surgindo com as mutações, onde há uma reclassificação das linhagens virais.
Os vírus, de modo geral, têm essa capacidade de mutação, uma capacidade adaptativa. Às vezes essas mutações não são boas para ele e acabam levando a sua extinção. Já existiram várias outras mutações ao longo da pandemia que o vírus foi fazendo, mas essa [registrada na Inglaterra] foi uma mutação adaptativa benéfica a ele.
Porque fez com que a nova linhagem tivesse uma capacidade de transmissão extremamente eficiente. Essa é a diferença.
Não é que as mutações não vinham acontecendo. Só que essa foi muito eficiente e por isso ganhou a mídia e a comunidade científica.
Essa potencial ameaça já está comprovada? O fato de transmitir mais rápido significa que o vírus mutado traz as versões mais graves da doença ou aumentaria a letalidade?
Essa é a grande dúvida que está sendo estudada. Se viu que ele tem uma capacidade de transmissão maior mas ainda não foi possível comprovar se isso leva a casos mais graves da doença. Esse link não foi feito ainda, é algo que precisa ser estudado.
O que se viu foi a capacidade de transmissibilidade maior. Mas em termo de doença potencialmente mais grave, ainda não se conseguiu comprovar.
Estamos falando de um vírus que já veio com uma característica de transmissibilidade alta. O que aconteceu com essa variação é ele aumentou essa capacidade no Reino Unido. Mas aqui no Brasil nenhuma das linhagens que foram identificadas mostrou importância epidemiológica.
Considerando o perigo dessa variante encontrada no Reino Unido, tem algo a se fazer em relação aos protocolos sanitários para que a contaminação seja evitada?
Não. A única coisa que se tem que fazer é dar ênfase nas recomendações atuais. Se é um vírus com uma capacidade de transmissão aumentada, então todo o regramento de isolamento social, de evitar aglomeração. Enfatizar as recomendações de higiene. Uso de máscara.
Tudo isso toma uma importância maior para tentar evitar que uma população maior acabe se contaminando.
Também temos que perceber isso. No Reino Unido, eles estão em plena campanha de vacinação. Então os regramentos em termos de não aglomeração e uso de máscara tomam uma importância maior para justamente conseguir vacinar mais rapidamente a população e evitar que o vírus com essa capacidade de transmissão alta tenha uma circulação grande nesse meio.
Eles têm um protocolo de vacinação a ser implementado lá. Isso tudo tem que ser respeitado.
O que lemos que publicaram sobre essa variante é que, em princípio, não há impacto na vacina. Mas isso tudo tem que ser avaliado com muita calma e muito bem avaliado. A variação do vírus parece não impactar a vacina. Mas, veja bem, parece. Vamos precisar aguardar estudos maiores para ver isso melhor.
Então a ciência ainda não consegue assegurar que a vacina contra a covid-19 que está sendo distribuída e aplicada em dezenas de países, a exemplo da Pfizer na União Europeia, protege contra todas as variantes?
As vacinas são feitas de componentes virais. O que chegou de relato é que a mutação foi na spike do vírus, a spike são tipo “agulhaszinhas” que são componentes no vírus. Então, as variações ficam fora dos componentes presentes na vacina. Por isso se faz essa alusão. Realmente parece que não haverá impacto para a vacina mas precisa ser melhor estudado realmente.
Considerando que a mutação é um fator natural na microbiologia, quais fatores podem intensificar ou frear essas mudanças? O comportamento humano, por exemplo, pode ter influenciado a propagação dessa variante sul-africana?
Parece que sim. Primeiro temos que entender que as mutações que os vírus em geral fazem são mutações adaptativas. Ele muda para tentar se adaptar ao ambiente. Uma parte disso é inata do vírus. Ou seja, o vírus faz as mutações a cada multiplicação deles para se adaptar, para sobreviver.
Há algumas mutações que são originadas pelo ser humano. Alguns medicamentos, tabaco… existem vários relatos de ações de interferência do homem que gera mutação em vírus ou em outros agentes infecciosos, bactérias e tudo mais.
Nesse sentido, as mutações mostram que o coronavírus é uma preocupação de longo prazo para a sociedade?
Sim. Em termos de vírus respiratórios sempre nos preocupamos mais com o Influenza, até porque historicamente o Influenza teve uma importância maior na humanidade. Foi responsável pela gripe espanhola, por inúmeras outras pandemias e epidemias que temos relato.
Mas o interessante é que quando olhamos para o passado vemos que o coronavírus já existia. Ele é bastante antigo também. Já foi responsável por algumas epidemias, principalmente no Oriente do mundo. Temos o Sars-Cov e o Mers-Cov, que surgiram no Oriente e foram epidemias com conotação importante.
Porém, o que vemos agora, é que com a proporção que o coronavírus tomou, ele provavelmente vai ficar nos acompanhando nos próximos anos. Por isso a importância da vacina. E provavelmente vamos ter que incluir a vacina do coronavírus no calendário vacinal anual como incluímos a da Influenza.
É o que nós falamos: 2021 não vai acabar com o vírus. Vamos ter que aprender a conviver com ele.
Fonte: Lu Sudré / Brasil de Fato