Relatório da CPI da Covid pede indiciamento de Bolsonaro por 9 crimes

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) concluiu no início da tarde desta quarta-feira (20) a leitura do relatório final da CPI da Covid, em que pede o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e de mais 65 pessoas, além de duas empresas, por crimes cometidos na condução da pandemia do coronavírus. Bolsonaro é acusado por nove crimes, são eles: epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, charlatanismo, prevaricação, crime contra a humanidade e crime de responsabilidade.

O relatório pede o indiciamento das empresas Precisa Medicamentos e VTCLog e dos seguintes indivíduos:

1) Jair Bolsonaro
2) Eduardo Pazuello
3) Marcelo Queiroga
4) Onyx Lorenzoni
5) Ernesto Araújo
6) Wagner Rosário
7) Élcio Franco
8) Mayra Pinheiro
9) Roberto Dias
10) Cristiano Alberto de Carvalho
11) Luiz Paulo Dominguetti
12) Rafael Francisco Carmo Alves
13) José Odilon de Torres da Silveira Júnior
14) Marcelo Blanco da Costa
15) Emanuela Batista de Souza Medrades
16) Túlio Silveira
17) Airton “Cascavel” Antonio Soligo
18) Francisco Emerson Maximiano
19) Danilo Berndt Trento
20) Marcos Tolentino da Silva
21) Ricardo Barros
22) Flávio Bolsonaro
23) Eduardo Bolsonaro
24) Bia Kicis
25) Carla Zambelli
26) Carlos Bolsonaro
27) Osmar Terra
28) Fábio Wajngarten
29) Nise Yamaguchi
30) Arthur Weintraub
31) Carlos Wizard Martins
32) Paolo Marinho de Andrade Zanotto
33) Luciano Dias Azevedo
34) Mauro Luiz de Bento Ribeiro
35) Walter Souza Braga Netto
36) Allan Lopes dos Santos
37) Paulo de Oliveira Eneas
38) Luciano Hang
39) Otávio Oscar Fakhoury
40) Bernardo Kuster
41) Oswaldo Eustáquio
42) Richards Pozzer
43) Leandro Ruschel
44) Carlos Jordy
45) Felipe G. Martins
46) Técio Arnaud Tomaz
47) Roberto Goidanich (FUNAG)
48) Roberto Jefferson
49) Raimundo Nonato Brasil
50) Andreia da Silva Lima
51) Carlos Alberto de Sá
52) Teresa Cristina Reis de Sá
53) José Ricardo Santana
54) Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria
55) Daniella Aguiar Moreira da Silva
56) Pedro benedito Batista Júnior
57) Paola Werneck
58) Carla Guerra
59) Rodrigo Esper
60) Fernando Oikawa
61) Daniel Garrido Baena
62) João Paulo F. Barros
63) Fernanda de Oliveira Igarashi
64) Fernando Parrillo
65) Eduardo Parrillo
66) Flávio Adsuara Cadegiani

Na abertura de sua fala, Calheiros explicou que promoveu alterações nos últimos dias no relatório final, entre as quais a retirada das acusações contra Bolsonaro pelos crimes de homicídio e genocídio contra indígenas. “Em seu lugar, a comissão decidiu que indiciaríamos o presidente da República, Jair Bolsonaro, por mais um crime contra a humanidade, desta vez contra indígenas. Retiramos também o nome do pastor Silas Malafaia da relação daqueles cujos indiciamento serão propostos pela CPI para continuidade da investigação no Poder Judiciário e Procuradoria-Geral da República”, disse o relator da CPI.

O senador afirmou que a CPI colheu elementos de prova que demonstram que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, “expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa”. Disse também que ficou comprovada a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico de eficácia, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas. Paralelamente, houve também deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas.

“Com esse comportamento, o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros”, disse Calheiros.Imunidade de rebanho

Durante a apresentação do relatório, Renan Calheiros afirmou que o governo federal deu ênfase em proteger e preservar a economia, bem como incentivar a manutenção das atividades comerciais. O senador destacou uma propaganda oficial do governo que dizia “o Brasil não pode parar”. “Visando atingir a imunidade de rebanho pela contaminação, o governo federal, em particular o presidente Jair Messias Bolsonaro, com o uso da máquina pública, de maneira frequente e reiterada, estimulou a população brasileira a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia”, disse.

De acordo com Calheiros, outra bandeira levantada pelo governo foi a defesa “incondicional e reiterada” do uso de cloroquina e hidroxicloroquina, bem como de outros medicamentos. “A opção levada a cabo sobretudo pelo chefe do Executivo federal contribuiu para uma aterradora tragédia, na qual centenas de milhares de brasileiros foram sacrificados e outras dezenas de milhões foram contaminados”, criticou.Desincentivo ao distanciamento

O relator disse que sobram evidências significativas de que o governo federal desestimulou a população a adotar medidas não farmacológicas para evitar a infecção pelo coronavírus. Segundo ele, Bolsonaro repetidamente “incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19”.

“As consequências dessa estratégia macabra foram mensuradas pela ciência. Se medidas não farmacológicas tivessem sido aplicadas de forma sistemática no país, poderiam ter reduzido os níveis de transmissão da covid-19 em cerca de 40%, o que significa que 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até o final de março de 2021”, disse.Notícias falsas

Calheiros destacou também que a propagação das notícias falsas gerou um clima de desconfiança na população e incentivou as pessoas a “agir com leviana normalidade”. “Fato que gerou uma exposição perigosa e desnecessária ao novo coronavírus e, consequentemente, contribuiu para a perda de vidas adicionais durante a pandemia”, disse.

Para o relator, a falsa sensação de segurança, desencadeada por informações inverídicas, contribuiu decisivamente para o aumento do número de infectados e mortes. “A CPI apurou que não apenas houve omissão dos órgãos oficiais de comunicação no combate aos boatos e desinformação, como também existiu forte atuação da cúpula do governo, m especial do presidente da República, no fomento à disseminação de fake news, que, pelo que observou a CPI, também mata e matou no Brasil muitas pessoas, cujas mortes poderiam ter sido evitadas”, afirmou.Omissão na compra de vacinas

Calheiros considerou que a mais grave omissão do governo federal foi o atraso deliberado na compra de vacinas. Segundo ele, a atuação negligente reforça que o governo priorizou “a cura via medicamentos”, ” a imunidade de rebanho” e não a prevenção pela imunização. Ele citou estudos que estimam que 12.663 pessoas com 60 anos ou mais de idade não teriam morrido nos meses de março, abril e maio de 2021 caso o Ministério da Saúde tivesse contratado, em agosto de 2020, as 70 milhões de doses da vacina Pfizer.

“O atraso na compra e obtenção de vacinas pelo governo federal e a imposição de escassez à sociedade, com várias interrupções na vacinação foi fator que contribuiu decisivamente para o alto índice de novos casos e de mortalidade no país”, disse.Favorecimento a atravessadores

Calheiros afirmou que o governo federal preferiu negociar a compra de vacinas de empresas com “atravessadores”. O relator argumentoiu que, em vez de privilegiar uma relação direta com laboratórios como Pfizer ou Instituto Butantan, o Ministério da Saúde optou por manter contato com a Precisa Medicamentos e a Belcher, intermediárias no Brasil dos imunizantes Covaxin e CanSino.

“Tanto no caso Covaxin quanto no caso CansSino, as aquisições só foram formalmente canceladas após os laboratórios descredenciarem as intermediárias por inidoneidade e depois de denunciados na CPI. A comissão evitou a corrupção na compra de R$ 6 bilhões na vacina da CanSino e de R$ 1,6 bilhão na Covaxin. Os indícios apontam que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério, teria pedido propina para facilitar a negociação de vacinas oferecidas por um mercado secundário cheio de atravessadores”, disse.

Calheiros ressalta no relatório que as denúncias de irregularidades relacionadas à Covaxin foram levadas ao conhecimento do presidente da República por um funcionário de carreira do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e por seu irmão, o deputado Luís Miranda, mas Jair Bolsonaro — mesmo apontando o líder do Governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, como responsável pelas irregularidades — não acionou a Polícia Federal.

De acordo com o relator, outro ponto que se mostrou incompatível com um contrato bilionário de vacinas foi a quantidade de erros existentes na invoice (espécie de nota fiscal) entregue ao Ministério da Saúde para a concretização da importação do imunizante. Esse documento apresentava diversos erros (quantidade de vacinas, pagamento 100% adiantado, pagamento de frete e seguro pelo ministério, pagamento a empresa offshore totalmente estranha ao contrato), listou Renan.Erros de estratégia

Renan Calheiros apontou em seu relatório erros de estratégia que teriam sido cometidos pelas gestões de Eduardo Pazuello, no Ministério da Saúde, e de Ernesto Araújo, nas Relações Exteriores, nas sucessivas comunicações diplomáticas relacionadas ao enfrentamento da covid-19.

Segundo ele, a falta de prioridade dada para a vacinação e a aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina, contrastam com a postura “quase desesperada” em 2021 da nova gestão Marcelo Queiroga e Carlos Alberto França, dada a segunda onda e o aumento de casos e mortes. “Todos sabem que quando a OMS ofereceu a possibilidade de comprar, através do consórcio Covax Facility, imunizantes equivalentes a 50% da população brasileira, o governo optou pela compra de 10%”, destacou.

Lembrou ainda que o ministro Queiroga chegou a oferecer à OMS o “tratamento precoce”.

O erro de estratégia custou caro ao país, segundo o relator. Conforme estudo do Ipea recebido pela CPI, o Brasil registrou em 2020, em proporção a sua população total, mais mortes por covid-19 do que 89,3% dos demais 178 países com dados compilados pela OMS. “Quando a comparação é ajustada à distribuição populacional por faixa etária e sexo em cada país, o resultado brasileiro se torna pior que os de 94,9% desses países”, disse.Colapso no Amazonas

Calheiros afirmou que o caso específico do Amazonas mereceu atenção especial da CPI. Segundo o senador, foi possível observar que, já na primeira onda da pandemia, os sistemas de saúde do Amazonas evidenciaram dificuldades de resposta à covid-19. De acordo com o senador, o governo federal tinha ciência da alta probabilidade de colapso, inclusive com carência de insumos necessários.

O relator afirmou que não foram encontradas evidências da adoção de medidas para abrandar o colapso de saúde do estado. “Essas ações e omissões revelaram que, a um só tempo, o povo amazonense foi deixado à própria sorte e serviu de cobaia para experimentos desumanos”, disse.Indígenas

Calheiros afirmou também que o governo se recusou a fornecer aos povos indígenas insumos vitais, como a água, e usou a pouca assistência oferecida como “álibi para tentar esconder as omissões deliberadas no seu dever de proteger”.

O relatou sustentou ainda que a prioridade dada aos índios na vacinação foi parcial, abrangendo apenas os aldeados, que são metade do total.Empresas acusadas

O relatório da CPI aponta que a comissão identificou a presença de uma série de indícios que demonstram a possível ocorrência do chamado “jogo de planilha” em pagamentos da VTClog. “Esse é um artifício utilizado para possibilitar que um licitante vença o certame de maneira aparentemente legal e, posteriormente, ao longo da execução contratual, passe a manipular preços unitários com o intuito de aumentar demasiadamente o valor do contrato, mediante termos aditivos, em prejuízo ao erário. Não se pode descartar corrupção para funcionários permitirem tal jogo”, disse Calheiros.

Indica também que, após a quebra de sigilo bancário, foram identificados saques de grandes quantias em dinheiro feitas por empregado da VTCLog. Os valores, supostamente, eram para pagamento de boletos e fornecedores, “sem nenhuma explicação que justifique não se utilizar o sistema de pagamentos eletrônico amplamente disponível no Brasil”.

“O uso desse artifício aponta para a tentativa de ocultar a destinação do dinheiro, que provavelmente serviu para o pagamento de propina. Verificou-se também que boletos de Roberto Ferreira Dias [ex-diretor do Ministério da Saúde] foram pagos pela VTCLog com dinheiro proveniente desses saques, o que constitui sério indício de corrupção nas transações entre o Ministério da Saúde e a empresa, disse Calheiros.

Calheiros também disse que a CPI revelou a atuação macabra da Prevent Senior. De acordo com o relatório, a operadora de saúde agiu em parceria com o governo federal para falsear dados e documentos para promover o uso do chamado kit-covid, composto por medicamentos sem eficácia contra a covid-19. “A verdade é que testes clínicos foram conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas. Ademais, kits com medicamentos foram enviados sem avaliação dos pacientes e de seus riscos, médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrever tratamentos ineficazes, mortes por covid foram ocultadas para ocultar a ineficácia do tratamento, declarações de óbito foram fraudadas para reduzir a morbimortalidade nos hospitais da empresa”, disse.Tribunal Penal Internacional

Calheiros afirmou a comissão propôs vários encaminhamentos para que os órgãos competentes deem prosseguimento às investigações e alcancem novas responsabilizações na esfera civil, criminal e administrativa. Entre eles, o Tribunal Penal Internacional.

“O conteúdo do relatório e de todos os documentos relevantes da investigação deverá ser compartilhado com as autoridades responsáveis pela persecução criminal, quer em primeiro grau quer no âmbito dos tribunais para pessoas com foro por prerrogativa de função. Além disso, haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes”, disse.

Após a conclusão da leitura do relatório, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), encerrou a sessão e convocou nova reunião para a próxima terça-feira (26), quando os parlamentares devem votar o relatório proposto por Renan Calheiros.

Fonte: Sul 21, com informações da Agência Senado

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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