Cultura Viva Municipal e o fortalecimento da cultura popular em Pelotas

Na última quinta-feira (03), o programa Contraponto, da RádioCom Pelotas, recebeu a participação de Francisca Jesus, presidenta do Conselho Municipal de Cultura, e Betinho, produtor cultural do Coletivo Outro Sul. Os convidados são figuras atuantes no cenário cultural de Pelotas, envolvidos diretamente na luta por políticas públicas que garantam a sobrevivência e o fortalecimento das expressões culturais locais.

A Política Municipal Cultura Viva é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura (SECULT) e do Conselho Municipal de Cultura (CONCULT) que busca criar uma das maiores políticas de base comunitária do Brasil, agora em âmbito municipal. Nesta quarta-feira, dia 9 de outubro, acontece um encontro na Estação Férrea, das 18h45 às 20h30, onde a comunidade cultural será convidada a participar da apresentação e discussão do Projeto de Lei. O evento é aberto a todos e não necessita de inscrição, e visa fortalecer as manifestações culturais locais, proporcionando um espaço para diálogo e participação na construção de estratégias que promovam o desenvolvimento cultural de Pelotas.

Durante a conversa com Francisca e Betinho, foram abordados temas como a implementação do programa Cultura Viva, a importância dos pontos de cultura, além das dificuldades enfrentadas pelo setor cultural na gestão pública municipal. Às vésperas das eleições municipais, Francisca e Betinho também discutem os desafios que o próximo governo terá para garantir o apoio contínuo à cultura e evitar retrocessos no desenvolvimento cultural da cidade.

Contraponto: Chica, você é presidenta do Conselho Municipal de Cultura (Comcult). Como foi o processo de criação desse projeto?

Francisca Jesus: Esse projeto da criação da Política Municipal de Cultura Viva foi construído coletivamente, com muitas mãos. Destaco o trabalho das minhas colegas, Anne e Daniela, que se empenharam muito para que esse projeto se concretizasse. Ele será apresentado oficialmente no dia 9, e acredito que será um marco para Pelotas, e até para a região. Demorou para acontecer devido a alguns obstáculos, mas foi um processo interessante.

Contraponto: Beto, você é produtor cultural do Outro Sul e uma referência na área da produção cultural aqui em Pelotas. Pode nos contar um pouco sobre essa política e o que ela representa?

Betinho: A Cultura Viva está completando 20 anos e é uma ideia que surgiu lá com o Gilberto Gil, quando ele estava no Ministério da Cultura. A ideia é simples: quem faz cultura são as pessoas, as comunidades, os movimentos. A Cultura Viva começou a reconhecer os pontos de cultura, os pontos da diversidade brasileira. Agora, estamos trabalhando para que Pelotas também tenha uma lei local que reconheça e invista na cultura de base.

Contraponto: Como a criação dessa lei pode ajudar na descentralização da cultura em Pelotas?

Betinho: Essa lei é fundamental para identificar os pontos de cultura que já existem nos bairros, como o Dunas, Pestano, Fragata, entre outros. Muitos desses locais produzem cultura, mas ainda não se reconhecem como pontos de cultura. E agora, com a obrigatoriedade de destinar 25% dos recursos federais para o programa Cultura Viva, será possível fortalecer essas iniciativas locais.

Contraponto: Como será feito o mapeamento desses produtores de cultura nas periferias?

Francisca Jesus: Será um trabalho grande. O papel do comitê gestor, que será criado a partir da lei, é justamente levar a informação e ajudar as pessoas a reconhecerem o que fazem como cultura. Muitas vezes, as pessoas já produzem cultura, mas não se identificam como fazedoras de cultura. O comitê vai estimular o registro dessas atividades, ajudando a organizar o portfólio ou currículo desses produtores culturais.

Contraponto: Você mencionou que essa política parte de uma iniciativa popular. Quais outras mudanças ela traz em relação às políticas culturais do município?

Francisca Jesus: O município já tem um sistema de cultura pensado e organizado, com um plano para dez anos. A lei do Cultura Viva vem como uma ferramenta adicional dentro desse sistema. Ela busca justamente identificar e apoiar aqueles que estão fazendo cultura, mas ainda não foram reconhecidos formalmente. Uma das coisas importantes é também reconhecer os mestres e mestras da cultura, pessoas que dedicaram a vida à cultura e ainda não têm esse reconhecimento formal.

Contraponto: Recentemente, o edital Procultura causou polêmica ao não permitir que os projetos ficassem com os equipamentos comprados. Como isso será tratado no Cultura Viva?

Francisca Jesus: No caso do Procultura, o edital era para execução de projetos, então a pessoa já deveria ter os equipamentos necessários. O Cultura Viva tem uma linha específica para a aquisição de equipamentos, então esse tipo de problema não acontecerá. A ideia é que os equipamentos adquiridos possam ser devolvidos à Secretaria de Cultura para que outros produtores culturais também possam utilizá-los. No Cultura Viva, uma parte do financiamento é destinada à compra de equipamentos, e esses materiais ficam disponíveis para a comunidade. A gente sabe que hoje em Pelotas é difícil encontrar equipamentos básicos, como uma caixa de som, para a realização de eventos culturais. A proposta da lei é resolver isso, criando um banco de equipamentos gerido pela Secretaria de Cultura, que possa ser utilizado por todos os fazedores de cultura da cidade.

Contraponto: A criação desse banco de equipamentos parece ser uma solução para muitos desafios logísticos enfrentados pelos produtores culturais. Vocês acreditam que isso pode fomentar ainda mais a produção cultural em Pelotas?

Betinho: Com certeza! Muitos produtores culturais deixam de realizar projetos por falta de recursos materiais. Ter esses equipamentos disponíveis vai facilitar a realização de eventos e projetos culturais, especialmente para quem está começando e não tem os recursos necessários. Além disso, o reconhecimento formal dos pontos de cultura permitirá que mais pessoas acessem os recursos disponíveis, fortalecendo ainda mais a produção cultural local.

Contraponto: Então, o reconhecimento como ponto ou pontão de cultura é também importante para acessar linhas de financiamento, como você mencionou. Pode explicar direitinho o que é um ponto de cultura e o que é um pontão de cultura?

Betinho: Um ponto de cultura é um coletivo que realiza atividades culturais contínuas, não precisa nem ser uma instituição formal com CNPJ. Por exemplo, o Sofá na Rua é um ponto de cultura, mesmo sem CNPJ, porque eles fazem cultura de forma constante. Já o Outro Sul é um ponto de cultura institucionalizado, pois nós temos um CNPJ. Então, um ponto de cultura é um grupo que realiza cultura regularmente, não é uma ação isolada. Um pontão de cultura é algo maior, ele reúne diversos coletivos para assessorar os pontos de cultura. É uma forma de articular e organizar uma rede mais ampla, capacitar os pontos e integrar tudo na Rede Cultura Viva. Aqui em Pelotas ainda não temos um pontão de cultura, mas já temos em torno de 10 a 15 pontos de cultura, então estamos começando a pensar nessa possibilidade. O pontão organiza e articula os pontos de cultura, oferecendo visibilidade, assessoria e gestão.

Contraponto: E como se dá a questão dos recursos entre ponto e pontão?

Betinho: Quando há editais, os recursos para um pontão são significativamente maiores, porque ele envolve mais trabalho ao articular diversas regiões e pontos de cultura. Aqui em Pelotas, por exemplo, poderíamos reunir vários pontos de cultura em um coletivo para formar um pontão, como o Outro Sul e o Sofá na Rua, além de outros grupos. A RádioCom, que já é um ponto de cultura, tem todo o potencial para se transformar em um pontão, especialmente voltado para a comunicação. Ela poderia organizar diversos projetos culturais e articular uma rede na área da comunicação, ajudando outros pontos a divulgar seus trabalhos e promover discussões.

Contraponto: Como vocês veem o envolvimento da comunidade e o reconhecimento de iniciativas culturais que, às vezes, nem se percebem como pontos de cultura?

Francisca Jesus: Isso é algo que vemos com frequência. Em muitos bairros de Pelotas, há pessoas que abrem suas casas para contar a história do bairro ou de suas próprias vivências, e muitas vezes nem percebem que estão fazendo cultura. O trabalho do comitê gestor é essencial nesse sentido, informando e ajudando essas pessoas a entenderem seu papel dentro dessa rede.

Contraponto: E sobre a construção dessa política cultural, é algo que está sendo feito em conjunto com a prefeitura?

Francisca Jesus: Sim, é um processo coletivo, com participação da Secretaria de Cultura, do Conselho de Cultura, e dos movimentos culturais da cidade. O poder público tem um papel importante, mas o envolvimento da comunidade é fundamental. A prefeitura participa principalmente por meio da Secretaria de Cultura e do Conselho de Cultura. Muitas vezes, o que falta é o elo de comunicação entre esses setores. Tem gente como o Betinho, por exemplo, que tem uma longa trajetória e conhecimento na área, e essa experiência prática é essencial.

Contraponto: Falando em termos de política pública, como vocês avaliam a importância de se estabelecer uma legislação para a cultura, especialmente nesse contexto de mudanças no executivo e legislativo?

Betinho: Então, o momento é de transição, né? Estamos às vésperas de eleições municipais, e isso mexe muito com a gestão pública, principalmente na área da cultura. E uma das nossas preocupações é como que a cultura vai ser tratada no próximo governo. O Cultura Viva, por exemplo, já está em fase de implementação, mas é preciso que ele seja mantido e fortalecido, independentemente de quem for eleito. A gente não pode correr o risco de retroceder. Então, é importante que a lei seja aprovada e que se tenha um orçamento garantido, porque só assim teremos alguma segurança de continuidade.

Contraponto: E como você avalia a gestão atual da prefeitura em relação à cultura, especialmente considerando que é um governo do PSDB?

Betinho: Com o governo do PSDB a cultura sempre foi deixada de lado, e isso é muito claro. O orçamento destinado à cultura é pequeno, e mesmo esse orçamento muitas vezes não é executado. As emendas impositivas têm ajudado, mas não podemos depender apenas delas, porque elas são incertas e voláteis. O governo municipal atual não teve compromisso com a cultura, então é natural que a gente fique preocupado com o que vai acontecer após as eleições. A cultura é sempre a primeira a ser cortada, e isso nos fragiliza demais.

Contraponto: E o que seria necessário, na sua visão, para fortalecer o setor cultural no próximo governo?

Betinho: Primeiro, a gente precisa garantir que o orçamento da cultura seja respeitado e que ele tenha execução plena. Além disso, é necessário ter um diálogo permanente com os fazedores de cultura. Não adianta ter leis e projetos se não tiver participação efetiva da comunidade cultural. E isso passa por manter conselhos ativos e por investir na formação e qualificação dos pontos e pontões de cultura, como a gente falou antes. O próximo governo precisa entender que a cultura não é só entretenimento, é um direito, é parte do desenvolvimento social.

Redação: Clarissa Henning

Imagem: Arquivos RádioCom

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